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periferias 4 | escola pública: potências e desafios

ilustração: Juliana Barbosa

“Ciência do afeto” e clima escolar

(re)pensando as masculinidades negras na escola pública

William Corrêa de Melo

| Brasil |

Resumo

Este artigo é derivado da pesquisa “Ciência do Afeto e Clima Escolar: (re)pensando as masculinidades negras na escola pública", em desenvolvimento em parceria com a Uniperiferias pelo edital “Pesquisadoras da Educação Básica”, de 2019, de 10 meses de duração.  A pesquisa é conduzida pela questão: Quais as relações presentes no plano das percepções de professores, gestores e estudantes (principalmente) da Escola Municipal Clério Boechat de Oliveira (Maricá, Rio de Janeiro) entre estratégias afetivas, com foco nos meninos (sobretudo negros), e clima escolar?

A potência das relações afetivas em sala de aula

O argumento central da pesquisa “Ciência do Afeto e Clima Escolar: (re)pensando as masculinidades negras na escola pública" é o de que estudantes se sentem acolhidos por estratégias afetivas, especialmente quando há alta expectativa de docente para com estudantes e estímulos positivos (elogios, por exemplo), e tentativas de aproximação e engajamento estudantil nos processos escolares. Essas percepções positivas criam possibilidades relacionais que favorecem o processo de ensino e aprendizagem e ampliam a motivação de estudantes de estarem presentes em aula e mais engajados com a participação e responsabilidade escolares, o que tende a favorecer também os perfis mais vulneráveis, com mais chance de ter baixo desempenho, de sofrer retenção e evasão. Argumento que a “Ciência do Afeto” (metodologia educacional detalhada no item 1.4) e/ou outras metodologias que visem o estímulo a relações afetivas entre professores e estudantes disputam jovens com as chances de evasão escolar. 

A seguir, apresento o debate que é pano de fundo para a pesquisa, construída a partir de olhares da Sociologia da Educação e Antropologia da Educação. 

1.1. Origem social e desempenho: o debate atual sobre desigualdades educacionais e o lugar da escola 

A escola faz diferença nas trajetórias escolares. Essa é a afirmação dos estudos que surgem, principalmente, a partir dos anos 1990, demonstrando que ela é capaz de reduzir o impacto da origem social/familiar sobre as trajetórias estudantis; é o chamado “efeito escola” (BROOKE e SOARES, 2008). Ações como alta expectativa docente sobre os desempenhos dos alunos e apoio social do professor têm impacto positivo (BROOKE e SOARES; ALVES e SOARES, 2003; FERNANDES et. al, 2018). 

Essa geração de estudos no campo educacional começa, enfim, a analisar a escola pública como Potência, refletindo as Potências Periféricas que recebe. Referem-se às Potências das Periferias, Fernandes, Souza e Barbosa (2018) como:

“Reconhecimento do poder inventivo dos grupos marcados pela desigualdade social e estigmatizados pela violência – e ainda mais ampliado, das periferias urbanas − que precisa ser tomado como referência para a construção do “Paradigma da Potência”, a partir do qual o estilo de vida (em vez das condições de vida) é reconhecido pelos termos que lhes são próprios (e não comparado aos padrões hegemônicos presentes na cidade).

Como este artigo tem foco nas questões raciais e de gênero, a seguir apresento um pouco desse debate inserido no campo da Educação brasileira, o qual atravessa a temática da reprovação escolar, evasão e dos desempenhos escolares. 

1.2. Raça1Tratamos aqui raça como “raça social” e não “raça biológica”, tendo como critério mensurável, a priori, a cor da pele nas classificações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mas, parafraseando Abdias do Nascimento, reforço que raça é um conceito muito mais complexo do que cor de pele: “Ocorre que nenhum cientista ou qualquer ciência, manipulando conceitos como fenótipo ou genótipo pode negar o fato é concreto de que no Brasil a marca é determinada pelo fator étnico e/ou racial. Um brasileiro é designado preto, negro. moreno, mulato, crioulo, partio. mestiço, cabra- ou qualquer outro eufemismo; e o que todo o mundo compreende imediatamente, sem possibilidade de dúvidas, é que se trata de um homem-de-cor. isto é, aquele assim chamado descende de escravos africanos. Trata-se, portanto, de um negro, não importa a gradação da cor da sua pele.” (NASCIMENTO, 1978), gênero e trajetórias estudantis

Um grande desafio da Educação brasileira ainda é a reprovação, em especial nos anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano), afetando mais os alunos pobres, negros e do gênero masculino, o que pode ser entendido como um filtro da educação brasileira (TAVARES Jr, MONT’ALVÃO e NEUBERT, 2015; CASTRO e TAVARES Jr, 2016). 

Os estudos da Sociologia da Educação buscam entender as razões dessas chances de fracasso e tendem a apontar que as percepções sobre as identidades de gênero e raça ajudam a explicar a relação entre essas variáveis e chances de sucesso/fracasso escolar (ALVES e SOARES, 2002; CARVALHO, 2005). 

Nilma Lino (2003) traz a reflexão de que a formação inicial de professores não é marcada suficientemente por debates sobre questões raciais., sobre as imagens socialmente construídas sobre o corpo negro. Segundo Carvaho (2005): “Há uma imagem social da masculinidade negra, presente de forma marcante na mídia brasileira, que a associa a características como violência e agressividade” (p. 7). Essa autora compara autoclassificação racial de crianças com heteroclassificação racial feita por suas professoras em uma escola da rede pública de São Paulo e mostra que elas classificavam seus alunos meninos como os mais indisciplinados, apontando a relação que as percepções sobre disciplina possuem com gênero. Ela mostra que não há uma relação, na escola que ela pesquisou, entre percepção sobre indisciplina e raça. Por outro lado, ela mostra que as professoras classificavam, percentualmente, mais meninos como sendo negros e o efeito inverso era visto quando se tratava das meninas.

Carvalho (2005) também mostra que professoras classificavam seus alunos de maior renda como “mais claros”. De maneira complementar, a autora mostra que as professoras também consideravam o desempenho escolar para classificar as crianças como negras ou não. Entre as crianças percebidas como brancas, havia percentual menor de crianças de alta renda no reforço do que de renda mais baixa, reforçando a relação entre nível socioeconômico e desempenho escolar.

Por outro lado, 40% das crianças de renda mais alta percebidas como negras faziam parte de grupo de reforço escolar, os mesmos 40% das crianças de baixa renda percebidas como negras e que estavam no reforço, revelando um certo grau de independência entre cor e nível socioeconômico nas percepções das professoras. E, ainda, “são elogiados como bons alunos 37% dos brancos e apenas 20% dos negros (hetero-atribuição) com renda acima de dez salários mínimos” (CARVALHO, 2005, p.13). 

E o clima escolar? Onde entra nesse debate? 

1.3. Clima escolar: definições e evidências

Definir clima escolar não é simples. Para alguns autores, como Loukas (2007), são sentimentos e atitudes despertados pelo ambiente escolar, defendendo que escolas que conseguem gerar boa percepção desse clima são capazes de compensar as dificuldades de aprendizagem de estudantes de menor desempenho, no que se refere a seus problemas comportamentais e emocionais. A autora define três eixos para clima escolar: dimensão fisica (qualidade da infraestrutura), dimensão social (qualidade das relações interpessoais na escola e tratamento equitativo dos estudantes) e dimensão acadêmica (qualidade do ensino, expectativa docente em relação aos desempenhos e monitoramento do progresso estudantil).

Senso de pertencimento e acolhimento é fundamental para definir o clima de uma escola. Este artigo trabalha com a definição de Loukas (2007), especialmente as dimensões social e acadêmica, principalmente no contexto da sala de aula por ser meu principal local de ação e análise mesmo reconhecendo que o clima escolar inclui as relações para além desse espaço.  

Apesar da dificuldade de definir clima escolar, os trabalhos sobre o tema tendem a mostrar seu efeito positivo. Loukas (2007) argumenta que estratégias que melhoram o clima escolar tendem a favorecer a todos os estudantes, principalmente estudantes em risco. Oliveira et.al (2013) apontou, utilizando dados da Prova Brasil de 2009, que escolas com bom clima acadêmico (aquela em que há boas expectativas docentes em relação aos alunos e monitoramento da aprendizagem) e bom clima disciplinar, além das que estabelecem estratégias para envolvimento das famílias apresentaram melhor desempenho. Nas escolas com clima negativo ou não proativas em relação a envolvimento dos pais, o percentual de alunos com nível adequado de aprendizagem era menor. 

Fernandes et. al (2018) mostra, a partir de análise de 311 escolas no Rio de Janeiro, que a percepção dos estudantes acerca do que ela chamou de “apoio social do professor” é um preditor de desempenho, com efeitos positivos. Isso se relaciona com a  dimensão social do clima escolar segundo Loukas (2007) e o “Ciência do Afeto”, como detalhado imediatamente a seguir, visa fomentar, principalmente, essa dimensão do clima escolar, acompanhada da dimensão acadêmica do clima. 

1.4. Ciência do Afeto2“Afeto” é um conceito difícil de definir, assim como clima escolar. Aqui, tratamos, a princípio, como sinônimo de habilidades socioemocionais, como empatia, altruísmo, responsabilidade, resiliência, proatividade, espírito de equipe, cooperação, dentre outras. : O que é? 

“Ciência do Afeto” é um conjunto de estratégias educacionais adotadas por mim como professor de Ciências na Escola Municipal Clério Boechat de Oliveira na Rede Municipal de Educação de Maricá, no Rio de Janeiro, para estimular o clima escolar positivo. As turmas são de 6º, 8º e 9º anos do ensino fundamental e essas estratégias incluem:

a) Alta expectativa explícita sobre os estudantes, ênfase nos estímulos positivos e na parceria

Digo, corriqueiramente, que confio nos potenciais de todos os alunos e que estou ali para ajudá-los a explorar o máximo desse potencial para que sejam referência onde quer que estejam, especialmente no campo acadêmico-profissional. Costumo cumprimentar um a um com abraços no início das aulas, perguntando como cada um está, dizendo que estou ali para o que precisarem. Coloco ênfase de que somos uma equipe. 

b) Estabelecimento de combinados de convivência, com foco na aprendizagem

  1. Respeito de fala e de escuta
  2. Existe hora certa para cada coisa
  3. Não serão permitidos atos de discriminação e bullying
  4. Limites no uso do celular
  5. Pedir permissão para sair de sala

Esses combinados foram estabelecidos na primeira aula com todas as turmas, são constantemente cobrados e, inclusive, o cumprimento dos combinados são avaliados ao longo do trimestre para ajudar a compor as notas.

c) Meditação

Realizo exercícios de respiração e relaxamento com minhas turmas, sempre orientando a perceber os corpos na cadeira e proferindo palavras positivas, como da capacidade de chegar aonde quiserem, dentre outras falas. O 9º ano, por vezes, cobra a realização dessa prática e ela favorece a redução da agitação das turmas, especialmente no 6º ano.

d) Arte-Educação - Raps didáticos

Utilizo rap para ensinar alguns conteúdos de Ciências e o faço com o objetivo de estreitar minhas relações com estudantes. Isso favorece a elaboração de demais estratégias. O rap é linguagem periférica e marca importante da música negra mundial.  Busco valorizar sua linguagem, com suas gírias e demais marcas textuais, com rimas e flows (velocidade rítmica) diferentes a cada música e cheguei a fazer um exercício de composição de rap didático com a turma de 8º ano.

e) Caderno de elogios e de pontos a melhorar

Esses cadernos foram criados para ser uma alternativa ao “livro de ocorrências”, comum em escolas. A proposta é registrar elogios sobre os alunos e, de acordo com ideia de uma aluna do 9º ano, também passei a incluir pontos a melhorar. Os próprios estudantes definem, trimestre a trimestre, esses elogios e pontos a melhorar, podendo contar com minha colaboração ou de seus colegas. 

Imagem dos cadernos de elogios e pontos a melhorar.

f) Avaliação de 9 categorias comportamentais

Na Rede Municipal de Educação de Maricá, devemos realizar, a cada trimestre, no mínimo 3 instrumentos avaliativos: AV1, AV2 e AV3, sendo a AV1 comportamental. Visto que a literatura educacional aponta que os meninos negros são os mais penalizados na escola e há evidências que isso se deve à percepções construídas acerca das raças e gêneros, optei por objetivar o “comportamento”, operacionalizando esse conceito. Então, ao fim de cada trimestre, avalio os combinados de 1 a 4, além de proatividade, coletividade, realização das atividades, presença e caderno completo. Além de avaliar, informo aos alunos os aspectos a melhorar em relação a essas habilidades comportamentais, sempre com estímulo positivo, dizendo que são capazes e que é por isso que eu oriento e cobro. 

g) Feedback individual e coletivo acerca dos desempenhos, tanto no que se refere ao desempenho cognitivo como habilidades como proatividade e coletividade

Eu registro em planilha no Excel todos os desempenhos de AV1, AV2 e AV3, apontando aos alunos, coletivamente e individualmente quais atividades não entregaram e desempenho nas que foram realizadas. Tenho buscado, também, montar gráficos para mostrar variação de desempenho (utilizando meus próprios instrumentos de avaliação, que busco diversificar) e de medição de desigualdade entre meninos, meninas, brancos e não brancos (instrumento que aponto como hetero-atribuição. Tenho pronto um questionário de autodeclaração racial para evitar a heteroclassificação). 

h) Estratégias de aproximação das famílias

Tenho buscado envolver as famílias durante a realização de provas e atividades dos alunos, de forma que os estudantes tenham oportunidade de ligar para alguém da família para auxiliar na realização da atividade. Até o momento, fiz essa prática apenas em um dia de prova, ligando para em torno de 7 famílias.

No dia da prova, estudantes podiam escolher uma questão para consultar algum familiar. Falava com a família no viva-voz para que o estudante escutasse, do lado de fora da sala (algum inspetor ficava no meu lugar na aplicação da prova) e, após ler a questão, o responsável tinha 3 minutos para ajudar a responder. A intenção não é que a família responda corretamente, mas que participe da brincadeira e apoie os filhos no processo de ensino e aprendizagem, mesmo que  o apoio seja emocional/afetivo. (Reportagens sobre a prova em que os estudantes podiam pedir ajuda para as famílias: https://www.almanaquesos.com/professor-prova-aluno-ajuda-familia-quem-quer-ser-um-milionario/https://www.marica.rj.gov.br/2019/09/26/professor-usa-game-em-aula-e-bomba-na-internet/)

i) Rodas do Afeto 

Após o 2º trimestre de 2019, criei, em parceria com a UNIperiferias as “Rodas do Afeto”, momentos em que pausamos os conteúdos curriculares para debater algum assunto de importância social, buscando ter o afeto como base do processo e dos temas. Até o momento fizemos duas, com 8º e 9º ano: debate sobre masculinidades com exibição do filme “O silêncio dos homens” e outra sobre comunicação não- violenta e afrofuturismo. 

Ilustração: Juliana Barbosa

2
Metodologia de pesquisa

A pesquisa tem como método a etnografia, tendo como técnica a observação participante. Além de observações no dia a dia da escola em que estou presente, eu e a UNIperiferias fizemos roda de conversa com professores e gestores em um dos “sábados letivos” acerca de estratégias afetivas e bem-estar coletivo na escola, com foco no tema das masculinidades por meio do filme “O silêncio dos homens”, o que me permitiu observar e obter alguns resultados. Com as minhas turmas de  8º e 9º anos observei as “Rodas do afeto”, além de solicitar narrativas acerca do filme exibido e também que falassem sobre como se veem no futuro. Também pedi aos estudantes, em um momento que chamei de “dia do elogio”, narrativas escritas acerca do papel do afeto em suas vidas, especialmente na construção de suas identidades (racial, de gênero, etc.), o que também permitiu captar algumas possíveis relações que fazem com clima escolar, especialmente na dimensão social. 

A maioria dos dados ainda está em fase de produção e análise; apresento a seguir alguns resultados preliminares. 

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Resultados preliminares

Vejo reações positivas de todas as turmas, de meninos e meninas, negros ou não, acerca da “Ciência do Afeto”, em qualquer uma das dimensões. Os meninos mostram gostar dos raps didáticos e já possuo algumas falas acerca do fortalecimento das relações entre mim e eles, como a fala de Bruno3Todos os nomes de alunos são fictícios para preservar o anonimato., menino que classifico como branco do 9º ano, em um momento que a turma inteira resolveu falar sobre a importância que tinha na vida deles, espontaneamente: “Professor, sabe aquele dia que eu te chamei no whatsapp? Era pra dizer o quanto você é especial pra mim. Eu não posso dizer pelas outras pessoas mas você é especial na minha vida."Ele também disse que gosta do fato de que, nas aulas, querer sempre mais dos alunos, por acreditar que são capaz de chegarem mais longe. 

Flávio, menino que classifico como negro do 9º ano, aluno que entrou no 2º trimestre de 2019 disse: “Quando eu cheguei aqui, você foi até mim e queria saber de onde eu tinha vindo, de onde eu era, como era minha personalidade. Eu achei incrível aquilo. É diferente dos professores que só perguntam o nome e pronto.” 

Há também a fala do Yan, menino que classifico como negro, do 6º ano, após cobrar uma atividade que faltava entrega e dizer que ele era capaz de mostrar mais do que sabia e fazer mais, disse: “Professor, você se comunica bem a com a gente”

Falas que destacam a qualidade entre a relação professor-aluno que tenho buscado construir são corriqueiras no dia a dia na relação com os alunos, presencialmente e nas redes sociais, como na fala de um menino do 8º ano que classifico como branco, que destacou a minha preocupação e cuidado ao preparar as aulas e um menino negro da mesma turma que disse que me amava em uma rede social, espontaneamente, em resposta a uma postagem pessoal.

Tenho notado ainda uma dificuldade de obter narrativas masculinas, o que já esperava devido a todo o debate que construído até aqui, mas isso também é resultado; alguma narrativa estão aparecendo aos poucos. O que “salta aos olhos” é que a qualidade nas relações interpessoais aluno-professor ganha peso no trabalho das turmas. A percepção das turmas de que há esforço por minha parte gera, a nível de minha interpretação na pesquisa, cobrança mútua por cooperação, ainda que com dificuldades. Se trata de um entendimento progressivo, individual e coletivo,  de que a relação pedagógica é “via de mão dupla” e a alta expectativa sobre os alunos favorece a construção de percepções positivas acerca da própria capacidade e possibilidade de melhora, como relatou Marcos, menino negro do 8º ano no “caderno de elogios”: 

“No primeiro trimestre o professor William me ajudou, me mostrou onde eu preciso melhorar pra passar na matéria dele mas graças a ele e aos conselhos dele eu consegui. Obrigado professor por ter me ajudado. Já no segundo eu consegui passar, mas poderia ter tirado uma nota maior.”

Outro resultado que destaco da influência do afeto na vida estudantil dos alunos e de suas percepções sobre esse afeto agindo no clima escolar, especialmente na dimensão social, encontra-se em dois momentos: no “dia do elogio” em que eu fiz uma prática de os alunos se elogiarem, no contexto do Setembro Amarelo e nas narrativas produzidas pelos alunos sobre esse dia, em que solicitei que escrevessem sobre a influência do afeto em suas vidas e na construção de suas identidades, como descrito na metodologia. 

No “dia do elogio”, os alunos do 8º e do 9º ano me surpreenderam com elogios sobre mim e sobre o meu trabalho, com bilhetes diversos com palavras positivas, ressaltando a qualidade das relações aluno-professor, o que, segundo Loukas (2007) é parte da dimensão social do clima escolar. A maioria destacou o sentimento de acolhimento e de apoio que possuem em relação às aulas de Ciências. 

Nas narrativas escritas sobre o afeto em suas vidas, alguns alunos negros relataram sobre a importância do afeto no combate ao racismo/discriminação racial, ao “embranquecimento” e no estímulo na busca pelos sonhos; Leandro, menino negro do 8º ano, escreveu:

O dia do elogio foi muito bom para algumas pessoas tipo eu saberem que tem muitas pessoas que amam ela porque tem dias que me sinto um merda mas sempre tenho um amigo para me dar conselhos e sempre para me dar força e eu só tenho a agradecer a ele. Eu acho que o dia do elogio é muito bom e uma coisa que aprendi é nunca desistir do seu sonho.

Leandro e Marcos estão quase sempre juntos na escola e na dinâmica do “dia do elogio” pedi que se elogiassem. Como essa narrativa do Leandro foi sobre o “dia do elogio”,  provavelmente, quando ele fala de “tenho um amigo para me dar conselhos” ele está se referindo ao Marcos, demonstrando o afeto entre dois jovens negros do sexo masculino e que isso é claramente visto importante para a trajetória de ao menos um deles. 

Mesmo com os limites da pesquisa, dados  até aqui indicam que o “Ciência do Afeto” tende a disputar esses estudantes com as probabilidades de evasão escolar (corroborando com o argumento da pesquisa), como disse uma aluna do 9º ano, que classifico como branca: “professor, sem o senhor não tem 9º ano (...) o senhor é diferente... quinta e sexta o pessoal fala que quer ir para a escola porque tem aula de William”. 

Tenho notado por meio dessas ações e pesquisa que, se a gente enxerga a escola pública como Potência, os alunos passam a se enxergar como uma também.


 

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William Corrêa de Melo | Brasil |

Estudante de Doutorado em Educação na UFRJ, professor da Rede Municipal de Educação de Maricá, colunista do jornal Voz das Comunidades e também atua como poeta, produtor de Slam e rapper com o nome artístico W-Black
williamcorrea95@gmail.com

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