Roberta Estrela D'Alva
Sinais de Turbulência e "Revide, Afoxé do Mangue"“
por Ecio Salles
| Brasil |
maio de 2018
No início dos anos 1990, Heloísa Buarque de Hollanda organizou um evento intitulado Sinais de Turbulência. Ali, intelectuais, artistas e ativistas começavam a pensar sobre aqueles tempos em que as ações sociais e culturais nas e das favelas, em contraposição à violência crescente, colocavam a periferia no centro do mapa.
A FLUP (Festa Literária das Periferias) é um pouco filha desse momento. Quando surgiu, em 2012, os criadores da FLUP entraram num contexto em que a literatura já era uma linguagem comum nas periferias do país. Por um lado, os saraus se multiplicavam (e, mais recentemente, os Slams seguem o mesmo caminho); por outro, publicações das chamadas literatura marginal ou de periferia começavam a ocupar estantes de bibliotecas e livrarias, revelando nomes como Paulo Lins, Ferréz, Sérgio Vaz, Lisandra Souza e muitos outros.
Em muitos desses movimentos, há uma energia de transformação pessoal e comunitária, de possibilidades de expressão estética, de manifestação política e de produção literária que é irresistível e incontornável. Elas são importantes na medida em que desfazem preconceitos e a visão limitada de que a periferia é apenas ausência e violência. Nesses saraus não há carência. Há a potência de pessoas compartilhando o que elas têm de melhor - indicando para nós novos sinais de turbulência na cultura brasileira.
A ideia nesse espaço é dar a palavra a essas artistas que – independentemente da idade, gênero, raça etc. – têm em comum o lugar de fala na periferia e uma contribuição significativa para a literatura brasileira.
Roberta Estrela D'Alva é uma das figuras centrais desse contexto. Atriz, poeta, intelectual, apresentadora do programa Manos e Minas, Roberta é referências das artes da palavra no Brasil, especialmente dos Slams de Poesia, que são a mais recente novidade das formas de expressão literárias nas quebradas do Brasil.
Em três frases, quem é Roberta Estrela D'Alva?
Sou uma atriz-MC, diretora, pesquisadora, apresentadora, poeta, membro fundadora do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos (primeira companhia de Teatro Hip Hop do Brasil ) e do coletivo Frente 3 de Fevereiro. Meu principal tema é a oralidade, e por meio dessa pesquisa fui responsável pela chegada dos poetry slams (batalhas de poesia falada) ao Brasil. A vida na cidade , com suas contradições e particularidades, é minha fonte de inspiração e material prima da minha criação.
Qual o seu mapa literário?
Minha relação mais direta com a literatura se deu principalmente pelos textos teatrais, já que sou atriz. Da página para a oralidade e da oralidade para a página em um segundo momento, quando comecei a escrever poemas para um solo de spoken word chamado Vai te Catar! A partir do momento em que comecei a organizar os slams conheci muitos poetas e vi muitos deles avançando em suas escritas e publicando livros. Isso tem criado um mercado próprio com o surgimento de de editoras independentes, o que considero um ponto bastante positivo
Quais leituras foram decisivas para os seus fazimentos?
Das leituras que mudaram minha maneira de enxergar o mundo e me influenciaram profundamente destaco Macunaíma do Mário de Andrade, O Grande Sertão: Veredas do Guimarães Rosa, Lolita do Nabokov, e no campo teórico, os trabalhos do Paul Zumthor, Brecht, Bachelard, Benjamin, Agambem, Jerusa Pires Ferreira e Angela Davis.
Periferia pra você...
Periferia para mim é um território físico e simbólico, complexo e diverso, de onde surgem as mais interessantes e inovadoras manifestações culturais, como foi o caso do hip hop, por exemplo.
Revide
Roberta Estrela D´Alva
(Afoxé do Mangue - Spoken)
Que quando o fogo chega
a chama alastra e queima
O mangue sangra
a boca seca
o povo insiste e teima
e se debate
bate –boca
bate ponto
sobrevive
mas ainda reina
em meio ao caos e a imundície
essa sede por justiça
que não passa
não é pirraça
desamarra
essa mordaça
e a mordida
não é de graça
é só cachorro lôco
é só cobra criada
que aprendeu a dar o bote
que entendeu o que tá em jogo
que não dorme do barulho
que não leva desaforo
É nêgo que não nega a própria raça
E se o que está em jogo é lutar pela paz
Sejamos Mandela
Sejamos Racionais,
pra pensar e cantar
coração e fúria
que é feita de sangue mas também de sol
solidão, de fé e de dor
de irmandade e amor
e é por isso que eu vou,
e eu vou
E eu vôo…
O título “Sinais de turbulência” é uma homenagem à Heloísa Buarque de Holanda, intelectual que sempre teve um olhar sensível para perceber as novidades mais instigantes da cultura nacional.