literatura

periferias 9 | Justiça e direitos nas migrações Sul-Sul

O Monólogo de Piram

O fantasma e a saudade de seu país

Frankétienne

| Haiti |

setembro de 2023

traduzido por Richemond Dacillien

trecho traduzido da peça
Pèlin tèt (1979)

*


Polidò:
Por que você não tira umas férias, descansa um pouco?

Piram: Devia. Mesmo assim, eu não ia tirar férias. 

Polidò: Como assim? 

Piram: Ia aproveitar para fazer bico, ganhar um trocado extra. Não tenho dinheiro o suficiente ainda, com toda aquela gente esperando que eu volte do fim do arco-íris com o pote de ouro. Vou pegar férias quando tiver dinheiro para isso. Aí, vou passar três meses deitado na cama, roncando – um mês para cada mãe dos meus filhos. E vou dormir suave. De vez em quando, abro um olho para ver se o teto da casa não saiu voando. No final, vou dormir de novo, até esquecer todos os satanases dessa terra.

Porque eu me tornarei um Senmichèlakany, um São Miguel Arcanjo. Vou me tornar Senjakmajè, São Tiago Maior montado em seu lindo cavalo branco. Depois disso, vou acordar renovado; me arrumar bem com uma roupa bonita estrangeira; ficar chique com uma camisa bonita, um par de botas com zíper. Cordão de ouro pesando no pescoço; medalha enorme brilhando no peito; um relógio de ouro no pulso esquerdo, pulseira no direito; meus dez dedos coroados com anéis de diamante. E vou desfilar por aí e festejar. Garrafa de rum! Porco assado! Banana da terra frita com abacate! Arroz e feijão-vermelho aos potes! Um monte de cigarros – wololoy! Tomate, cebola, pimenta-de-cheiro! Carne de cabra Assada! Tudo isso, em uma mesa decorada com hibiscos, verbena, louro, folhas de manjericão. E veja todas essas típicas mulheres da alta sociedade venerando a cena! Gente surgindo de todo canto que nem formiga, vindo testemunhar a lenda de Piram, que virou um haitiano estrangeiro... Um blan peyi... A festa ainda vai durar três dias, três noites.

Depois, vou passar uma semana descansando na casa de minha mãe. No quintal onde meu umbigo foi enterrado, a família inteira vai se reunir sob a árvore mapou para agradecer aos orixás Guinen. Quando todos os rituais terminarem, vamos dançar ao som do banjo, da mannouba, do acordeão, das maracas. Piram alça a voz e canta; todos os habitantes do meu país aplaudem gritando “bravo!”... Então, vou voltar a Porto Príncipe para construir três casas: uma para cada mãe dos meus filhos. Nada de barraco velho com chuva a escorrer pelos furos no laminado de ferro do teto, paredes de madeira reaproveitada — não, cara. Casa que pode se chamar de casa, casa fina! Três mansões monumentais de concreto, com porta de mogno, janela com veneziana ornamentada, mosaico de azulejo no chão,  escadarias de granito, trabalho em ferro — mobília boa não vão faltar!... E eu vou passear nas casas das mães dos meus filhos. Rico! Vou frequentar os melhores lugares, encontrar gente rica e importante como eu!

Polidò: E aí?

Piram: E aí… Aí, nada!


 

Frankétienne | HAITI |

Escritor, poeta, dramaturgo, pintor, músico, ativista e intelectual haitiano, reconhecido como um dos principais escritores e dramaturgos do Haiti, tanto em crioulo haitiano quanto em francês.

Edições Anteriores

Assine nossa newsletter