Narrativas

periferias 9 | Justiça e direitos nas migrações Sul-Sul

Migrantes em tempo de alegria, descanso e celebração

Comunidade nepalesa durante o Hari Raya Aidilfitri (Eid) em Kuala Lumpur

Sheril A. Bustaman

| Malásia |

setembro de 2023

traduzido por Jemima Alves

Foto: Sidney Chan

“Hari Raya Aidilfitri” ou Eid é um dos maiores feriados nacionais da Malásia, país de maioria muçulmana. Situada no sudeste asiático, a Malásia abriga muitos trabalhadores imigrantes. Os nepaleses representam uma proporção significativa da mão de obra imigrante no país, com cerca de 500 mil trabalhadores residentes na Malásia, de acordo com dados de 2019. Trabalhando predominantemente nos setores de manufatura, serviço, agricultura e construção, operários migrantes são sempre sujeitos a longas jornadas de trabalho com pouco ou nenhum tempo de descanso, mesmo durante o período de celebrações nacionais. 

Alguns operários imigrantes não se importam de perder o feriado, uma vez que trabalhar durante um feriado público na Malásia significa pagamento de horas extras que podem chegar ao dobro do valor normal. A maioria dos nepaleses não é muçulmana, de modo que a celebração do Eid não tem uma importância particular para eles, sendo, portanto, “um dia como outro qualquer”. No entanto, a maior parte das empresas fecha para as festividades, oferecendo aos trabalhadores migrantes um longo recesso de sua rotina diária para dar espaço para um pouco de alegria, descanso e celebração. 

Foto: Sidney Chan

Manesh, de 38 anos, vive na Malásia há 8 anos, trabalhando numa fábrica como operador de linha. Seu empregador oferece aos trabalhadores um ou dois dias de folga na maioria dos feriados públicos da Malásia. No entanto, para o Hari Raya Aidilfitri, a empresa permanece fechada por um total de cinco dias, dando a Manesh um recesso mais longo. Ele normalmente passa esse tempo com os amigos — seja praticando ou assistindo esportes. Durante esses grandes feriados nacionais, quando todos estão de folga, os homens membros da comunidade migrante se reúnem para jogar vôlei, o esporte favorito entre eles. Mahesh explica que há times formados por pessoas de diferentes distritos nepaleses que jogam em uma liga de vôlei por um prêmio em dinheiro de quatro dígitos, patrocinado por um restaurante nepalês local. É evidente que o público se constitui principalmente de homens nepaleses, com a presença de poucas mulheres. Elas aparecem geralmente carregando sacolas de compras depois de passar o dia com outras mulheres migrantes. Após viver aqui por tantos anos, Mahesh observa que as celebrações do Hari Raya Aidilfitri são muito semelhantes à celebração hindu de Dashain, no Nepal. “É maravilhoso ver pessoas se encontrando e celebrando juntas esse feriado”.

Foto: Sidney Chan

Apesar de muitos migrantes e locais encontrarem tempo para descansar e celebrar durante o Hari Raya Aidilfitri, para outros é um dia de oportunidade. Pramila Tamang, de 29 anos, gerencia uma loja no coração de Kuala Lumpur. Dificilmente tira um dia de folga de sua loja de têxteis, bolsas, cama, mesa e banho e mesmo eletrônicos, mas quando o faz, gosta de viajar. “Na Malásia, eu gosto de visitar o Cameron Highlands, mas também gosto de passear pela cidade com meus amigos”. A dedicação de Pramila à sua loja durante o feriado se deve ao boom de clientes que acontece nas datas festivas. “Os clientes vêm de toda parte, não só de Kuala Lumpur. Alguns viajam de Penang e Melaka”. As famílias também aproveitam o feriado nacional para passear com os filhos e encontrar com parentes na cidade, aumentando o número de clientes da loja de Pramila. Passados 8 anos morando na Malásia, Pramila já participou de celebrações do Hari Raya na casa de amigos, mas não acha que sejam tão animadas quanto o Dashain, o Tihar (a versão nepalesa do Diwali ou Deepavali) e o Natal. 

Foto: Sidney Chan

O Hari Raya, evidentemente, tem significados diferentes para cada grupo de trabalhadores migrantes nepaleses. Enquanto uns encontram a camaradagem e a comunidade no dia de descanso, outros o veem como uma oportunidade econômica e deixam de descansar e celebrar em prol do lucro. O espectro de atividades, do placemaking e laços comunitários ao empreendedorismo e produção do lucro tão distante de casa, é ainda outro testemunho de força e resistência dos trabalhadores migrantes na Malásia.


Este artigo foi escrito como parte do projeto ‘Tempo de alegria, descanso e celebração dos imigrantes: explorando a vida cotidiana dos nepaleses em Kuala Lumpur por meio da interseccionalidade” com o apoio do Fundo de Impacto da Faculdade de Meio Ambiente, Educação e Desenvolvimento da Universidade do Manchester.

Sheril A. Bustaman | MALÁSIA |

Escritora e produtora com base em Kuala Lumpur. Ela é gerente de projeto da equipe da Malásia no MIDEQ.

@sherilabustaman @SherilABustaman

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