Global Grace
Criando Culturas de Equidade: Caminhos da Periferia
Suzanne Clisby
Mark Johnson
| Reino Unido |
julho de 2019
traduzido por Tatiana Moura
No início de Maio de 2019, acadêmicos(as), ativistas, artistas e profissionais de ONGs de territórios de todo o mundo encontraram-se na cidade do Rio de Janeiro para compartilhar, discutir e debater possibilidades e desafios de construção de caminhos para culturas de equidade, Percursos Criativos Para Culturas de Equidade, 7 – 9 de Maio. O encontro foi co-organizado pelas equipes do Brasil e do México – Instituto Promundo-Brasil, Instituto Maria e João Aleixo - UNIperiperiferias, Observatório de Favelas, e Instituto de Relações Internacionais PUC-Rio, Voces Mesoamericanas e Universidade Nacional Autônoma de Chiapas - e realizou-se em dois locais: no Galpão Bela Maré e na PUC-Rio. As conversas e trocas sobre arte e política, práticas sobre memória, resistência e re-existência da periferia perante a violência do estado produziram entendimentos cruciais e novas relações de gênero. A culminação do evento deu-se com o lançamento do mural de Alfred 'Libre' Gutierrez (foto acima), planejado pela organização e inspirado em e pintado em colaboração com mulheres e homens, crianças e jovens no Galpão Bela Maré.
O evento Percursos Criativos foi um dos resultados e iteração de uma rede de parcerias colaborativas estabelecidas pelo Projeto Global Gender and Cultures of Equality, Genêro e Culturas de Equidade. Global GRACE é um programa de quatro anos de pesquisa e de reforço de capacidades, financiado pelo UKRI's Global Challenge Research Fund (GCRF), concedido pelo Arts and Humanities Research Council, Conselho de Pesquisa em Artes Humanidades, do Reino Unido. Global GRACE utiliza intervenções artísticas, práticas de pesquisa curatorial e exposições públicas para viabilizar abordagens positivas de gênero para o bem-estar, internacionalmente, pautando dois dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável da ONU: Igualdade de Genêro (SDG5), e Saúde e Bem-Estar (SDG3). O Projeto reúne parceiros de pesquisa de Bangladesh, Brasil, México, Filipinas, África do Sul e Reino Unido, além de outros(as) especialistas da Ásia, África, Europa e da América do Norte. Juntas(os), investigamos as diversas formas como as práticas criativas desenvolvidas por vários grupos desafiam sistemas de privilégio e desenvolvem novas possibilidades para formas mais equitativas de convivência, tendo as relações de gênero como viés.
As equipes de pesquisa estão trabalhando colaborativamente em projetos interligados em seis países ao redor do mundo:
● teatro e performance na África do Sul, que inclui a fundação de um Grupo independente de Teatro de Trabalhadoras do Sexo na Cidade do Cabo, buscando desafiar sistemas que perpetuam a violência sexual e fortalecer aspirações e autoconfiança de pessoas que realizam trabalho sexual para o seu sustento e de outros(as);
● realização de filmes em Bangladesh para investigar os obstáculos enfrentados por mulheres em trabalhos convencionalmente atribuídos ao gênero masculino e verificar de que forma a ocupação feminina dessas posições desafia os regimes de gênero existentes.
● mapeamento relacional e bolsas/residências artísticas no Brasil, buscando documentar e possibilitar diferentes maneiras de 'pensar' e 'fazer' masculinidades em contextos de fragilidade urbana e trauma;
● oficinas de escrita criativa nas Filipinas para expor formas de discriminação enfrentadas pela juventude LGBTQ e para criar novas oportunidades que possibilitem a mudança de culturas públicas de tolerância para políticas de direitos e reconhecimento.
● Museu Migrante itinerante (MuMi) em Los Altos de Chiapas, México, que inclui arte e cinema participativos, para investigar as vidas de jovens mulheres e homens indígenas, os problemas que enfrentam e possibilidades para o "Bem-viver" e "BemMigrar " (Buen Migrar) diante do desaparecimento, detenção e violação de direitos trabalhistas.
● pesquisa qualitativa e participativa no Reino Unido e África do Sul para investigar como gênero e raça se intersecionam nos espaços organizacionais e práticas curatoriais de museus e galerias.Mais detalhes sobre todos os projetos e parceiros do projeto podem ser encontrados no site GlobalGRACE.
Na base de cada um de nossos projetos estão três ideias básicas de organização e três conjuntos de questões.
A primeira é que a igualdade é um artefato cultural. Investigamos a variedade de formas através dasquais se faz e se contestam igualdades em diferentes partes do mundo. Perguntamos: o que são e como são sentidos a igualdade e o bem-estar para grupos de pessoas diferentemente posicionados, que experimentam formas múltiplas e inter-relacionadas de desigualdade?
A segunda ideia é que culturas podem ser melhor compreendidas como as práticas pelas quais pessoas criam os mundos em que habitam. Buscamos compreender como as práticas criativas das pessoas desafiam a desigualdade e trazem o gênero para o centro de novas possibilidades de formas mais equitativas de convivência. Perguntamos: de que maneira a práxis baseada nas artes permite que as pessoas se tornem mais reflexivas e agentes de conhecimento, econstroem e imaginam futuros alternativos, além de praticar um conceito de bem-estar com base no gênero?
A terceira ideia é da igualdade como uma conquista difícil de se alcançar, sendo uma luta contínua: estamos comprometidos em encontrar maneiras de trabalhar em conjunto para dar destaque e avançar globalmente com as igualdades. Assim, perguntamos: como criamos novos caminhos e plataformas eficazes que traduzam esse compromisso compartilhadodecriação de culturas de igualdade em nossas localidades, capazes de se desenvolver em parcerias transnacionais eficazes e equitativas e que desafiem e transfigurem as várias divisões sociais, políticas e econômicas, profissionais e territoriais - dentro e por entre nosso trabalho.
Desde a sua concepção, instituições parceirasdo projeto têm dado atenção especial a questões relacionadas às hierarquias de conhecimento que moldam e restringem nossas parcerias e colaborações. São questões pertinentes tanto para a forma como nos organizamos enquanto rede transnacional, como para as formas com as quais negociamos as hierarquias do conhecimento presentes entre acadêmicos e não acadêmicos, pesquisadores e participantes, dentro e entre cada um de nossos projetos. Percebemos que são questões e tensões produtivas, centrais para os objetivos e metodologia do projeto, enão questões que podem ser resolvidas e postas de lado.
Nossa abordagem metodológica pode ser traduzida por quatro posicionamentos nucleares: primeiro aplicamos uma metodologia feminista caracterizada pela interdisciplinaridade, reflexividade e prática ética que explique e aborde as desigualdades inseridas no processo de pesquisa. Em segundo lugar, adotamos uma metodologia multiplamente situada e comparativa que destaca a contingência cultural de "gênero" e "igualdade" ao traçar as várias fontes da e para culturas de igualdade, assim como aborda possíveis rotas pelas quais essas ideias e práticas coalescem, interseccionam-se e divergem, tanto historicamente quanto no contemporâneo. Em terceiro, destacamos uma metodologia performativa e multissensorial que descreve lugares, eventos e processos por meio dos quais conceitos de igualdade de gênero são feitos e materializados na prática. Nossa abordagem multissensorial nos ajuda a investigar como nossas práticas podem dessensibilizar e descomprometer a desigualdade de gênero na pesquisa por meio do uso que fazemos do teatro, literatura, etc. que podem servir para suscitar experiências em caminhos que diminuam tópicos de permitindo que participantes expressem suas experiências a partir de diferentes formas. Em quarto lugar, partimos de uma metodologia participativa e curatorial que considera a pesquisa como atividade criativa e colaborativa inserida em um processo contínuo de negociação entre pessoas, espaços, objetos, imagens e atividades em que disseminação e engajamento público façam parta de sua própria criação. Consideramos a criação de exposições como um processo criativo que impulsionaideias e inspira conversas produzindo, dessa forma, 'novos' sítios e eventos de e sobre culturas de igualdade.
Essa metodologia participativa e curatorial é um fio ou linha central: interliga o evento Percursos Criativos / CreativePathways, recentemente realizado no Rio de Janeiro, a conversas iniciadas na conferência e exposição de lançamento do Projeto, realizada em Londres em 2018, organizada a partir do tema Trocando/Intercambiando Culturas de Igualdade (culturesofequality.com). A exposição, que contou com co-curadoria de SiobhánMcGuirk e NirmalPuwar, convidou à reflexão sobre o que significa criar e comunicar ”culturas de equidade" de forma transnacional; evidenciou as múltiplas maneiras em que a comunicação é tanto contingente de tecnologias de tradução como inevitavelmente envolve fios cruzados e imprecisão na comunicação, o que tanto pode ser produtivo como desestabilizador. Essas conversas e práticas curatoriais criativas continuam acontecendo e, em abril de 2020, viajam a Manila para o nosso próximo grande evento internacional, organizado pelas equipes do Bangladesh e Filipinas, com o tema Traduzindo Culturas de Equidade. O grande evento final será realizado em Cape Town, onde formalmente lançaremos o "Global Museum of Equalities”, Museu Global de Igualdades , acompanhado de um curso gratuito e online, produzido e com curadoria conjunta das equipes que compõem o GlobalGRACE.
Global GRACE considera a equidade de gênero como um produto da contingência cultural e metodologicamente junta trabalhos interdisciplinares para investigar a produção e significados de culturas de igualdade em diversos locais, eventos, práticas e objetos. Essencialmente, adotamos uma perspectiva crítica decolonial e pós-colonial que desafiaa noção de que culturas de igualdade se originam e circulam a partir de países do Norte Global. Pesquisar gênero e culturas de igualdade também requer examinar as relações de desigualdade corolários: isso inclui chamar a atenção especialmente para como versões convencionalmente aceitas de igualdade e inclusão podem produzir novas divisões e/ou reproduzir e reforçar desigualdades existentes. Nossa ênfase centra-se, contudo, em como culturas novas e alternativas de igualdade emergem da periferia e de condições de desigualdade. Assim, estamos construindo/tecendo novos caminhos para conjuntamente trabalharmos de forma equitativa. Como nos mostraram as equipes anfitriãs do evento Percursos Criativos, isso requer não só diálogos críticos, mas também, e igualmente importante, aprender a conviver, a viver bem juntos e juntas; a andar, conversar, trabalhar, comer, beber e dançar juntas(os).
Suzanne Clisby e Mark Johnson, co-diretores de Global GRACE, Goldsmiths, Universidade de Londres.
Suzanne Clisby | UK |
Suzanne Clisby é Pesquisadora Senior em Antropologia na Universidade de Goldsmiths, Londres, e co-diretora do Projeto GlobalGRACE, UKRI GCRF Global Gender and Cultures of Equality. Também é Diretora de Horizon 2020 Marie S. Curie GRACE Project e integra o conselho consultivo do Projeto UKRI GCRF None in Three. É Editora do Journal of Gender Studies (Taylor & Francis).
s.clisby@gold.ac.ukMark Johnson | Reino Unido |
Mark Johnson é Professor de AntropologianaUniversidade de Goldsmiths, Londres, e é co-diretor do ProjetoUKRI GCRF GlobalGRACE (Global Gender and Cultures of Equality, 2017 - 2021). É membro dos conselhos de especialistas do projetoGRACE (Gender and Cultures of Equality in Europe) e do UKRI GCRF Knowledge in Action for Urban Equality (KNOW).
m.johnson@gold.ac.uk