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periferias 7 | desaprisionar o cárcere

Teatro como estratégia para mudança social

Colonialismo e apartheid originaram prisões segregadas, no país onde tradições multiculturais e multilinguísticas criaram uma cultura nacional de teatro que, nas prisões, tem destaque a abordagem da crise de saúde pública do HIV/AIDS

Ashley Lucas | Vicente Concílio

| EUA | África do Sul | Brasil |

dezembro de 2022

traduzido por Vicente Concílio

apresentação
por Vicente Concílio 

Um tema tão difícil quanto debater o encarceramento em massa junto aos desafios de produzir arte em ambientes punitivos pode gerar reflexões que extrapolem a simples descrição de acontecimentos e desafios? Esse desafio foi enfrentado pela professora Ashley Lucas, da Universidade de Michigan, em seu livro Teatro em Prisões e a Crise Global do Encarceramento, lançado em 2021, pela editora Hucitec.

Conheci Ashley Lucas em um seminário sobre arte e cultura em prisões, em agosto de 2015, realizado pelas professoras Viviane Becker Narvaes e Natália Ribeiro Fiche. Ambas são do curso de Licenciatura em Teatro da Unirio e coordenam um programa de extensão que completa 25 anos em 2022, que promove oficinas artísticas em unidades penais do Rio de Janeiro e, mais recentemente, tem articulado ações com sobreviventes do sistema. Trata-se do “Cultura em Prisões”, que na época atuava em quatro penitenciárias do Rio de Janeiro.

Naquela ocasião, Ashley já estava trazendo, pelo terceiro ano consecutivo, um grupo de estudantes da Universidade de Michigan para conhecer, por três semanas, ações de extensão desenvolvidas por docentes da Unirio nos mais diferenciados contextos: além das ações nos presídios, eles podiam visitar e participar das atividades do Teatro Renascer, coordenado pela professora Carmela Soares, um grupo teatral de pessoas idosas que acontecia no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle; O Hospital como Universo Cênico, do professor Miguel Vellinho, que acontecia no Hospital da Lagoa e o Programa Teatro em Comunidades, da professora Marina Henriques Coutinho, que oferece oficinas de teatro em três pontos distintos na Favela da Maré e na Zona Norte da cidade: o Centro de Artes da Maré, a Arena Dicró (Penha) e o Centro Municipal de Saúde Américo Veloso (Ramos).

O grupo que acompanhava Ashley Lucas nas visitas ao Brasil era composto por estudantes que haviam participado de sua disciplina “Teatro e Encarceramento”, oferecido a todos estudantes da  Universidade de Michigan e que atuariam como docentes de artes visuais, música, escrita criativa ou teatro em alguma unidade penal do estado de Michigan. Ou seja, era um grupo de formação diversa (havia desde estudantes da área de saúde e psicologia até historiadores e economistas, além de artistas, obviamente), multiétnico e atento às questões sociais tanto estadunidenses quanto brasileiras.

Minha afinidade com Ashley foi praticamente instantânea e já naquela época ela se interessou por minha pesquisa, que havia sido feita em São Paulo, ainda no início dos anos 20001CONCILIO, Vicente. Teatro e prisão: dilemas da liberdade artística. São Paulo, Hucitec, 2008. Eu tentei realizar um panorama histórico da presença de ações teatrais em presídios de São Paulo2O panorama que eu apresentei foi depois devidamente complementado pelas pesquisas de Viviane Narvaes no artigo “Contribuições para uma história do teatro nas prisões do Brasil”, vide referências., além de ter relatado minha prática como professor de teatro em contextos prisionais.

Ashley estava realizando as pesquisas que resultaram no livro Teatro em Prisões e a Crise Global do Encarceramento, que agora está publicado em português por meio de uma ação conjunta de tradução coordenada por mim. Foi uma alegria ter tido essa oportunidade, e uma satisfação muito maior ter conseguido que uma editora o publicasse.

Trata-se de um livro importante não apenas para quem pratica e propõe oficinas teatrais em unidades penais, mas para todas as pessoas que de alguma forma trabalham com o tema do aprisionamento e buscam, diariamente, argumentos para demolir a lógica punitivista que estrutura e fundamenta o discurso retrógrado, militarista e armamentista que se impõe com força no senso comum.

Relatando e analisando práticas teatrais que Ashley conheceu em unidades prisionais em dez países diferentes (Brasil, Estados Unidos, Uruguai, Canadá, África do Sul, Reino Unido, Irlanda, Austrália, Nova Zelândia e Portugal), o livro também encontra sua força nos relatos de viagens e nas memórias que ela compartilha conosco, como filha de um pai que cumpriu pena de privação de liberdade por duas décadas. A quarta capa do livro conta com um texto de Juliana Borges, pesquisadora fundamental da área do encarceramento em massa em nosso país. Ela escreve:

"O teatro em prisão propicia o reposicionamento das pessoas em situação prisional, seja por outros modos de exercício da liberdade, seja pelo rompimento, mesmo que nas horas de ensaio e apresentação, com as dinâmicas violentas do cárcere. (...) Lucas nos mostra que o fato de o teatro ser espaço de colaboração, respeito, compartilhamento e engajamento faz dele uma possibilidade de reinvenção dos indivíduos em situação prisional, seja de si próprios, seja das relações que estabelecem com seu grupo, comunidade e familiares."

O que o trecho destaca que os sentidos da cena que acontece atrás das grades escapam a definições utilitaristas e instantâneas, porque falam de uma verdadeira reinvenção dos indivíduos em coletivo.

O trecho do livro que trazemos aqui é uma parte do terceiro capítulo do livro, no qual Ashley nos introduz à realidade carcerária da África do Sul, enquanto nos empresta seu olhar sensível para expor as especificidades da prisão naquele país: o legado das prisões políticas injustas da era do apartheid, que privou da liberdade líderes que lutavam pela equidade racial, e o contexto da epidemia do HIV/AIDS, que mobiliza e contextualiza muitas das ações envolvendo projetos teatrais naquele país. É uma oportunidade de percebermos como as prisões, longe de deixarem um lastro de justiça, na verdade é  um modelo fracassado de reparação que apenas fortalece o punitivismo.


Quando eu e meu colega Andy Martínez viajamos para a África do Sul pela primeira vez, em 2014, o país comemorava vinte anos da queda do apartheid, que ocorreu em 1994. Nas ruas de Joanesburgo, víamos blusas e cartazes que diziam “vinte anos de democracia”. Ainda assim, à medida que andávamos pela cidade, vimos como os legados do colonialismo e da segregação e uma forte opressão continuam aparentes na África do Sul de hoje, como são em meu país. Também como no meu país — e em qualquer país —, as divisões criadas pela história são ainda mais visíveis dentro das prisões.

Durante o apartheid e atualmente, pessoas pretas e pardas foram e ainda são condenadas à prisão de forma desproporcional em relação a pessoas brancas, o que também foi e é o caso em países como os Estados Unidos e o Brasil. Descobrimos, no entanto, que na África do Sul os presidiários viviam em prisões segregadas sem qualquer projeto externo às unidades até a metade dos anos 1990. Essa história, somada às tradições multiculturais e multilinguísticas das Artes Cênicas do país e a urgência da crise de HIV/AIDS lá moldam os projetos de teatro implementados nas prisões da África do Sul de forma singular.

Ao longo da minha pesquisa em dez países diferentes, não encontrei nenhuma cultura nacional em torno do teatro nas prisões que fosse mais disposta e direcionada para uma mudança social real do que na África do Sul. Muitas das mudanças que se buscam com projetos de teatro em prisões têm o sentido de construir comunidades e comportamentos pró-sociais entre os participantes. São poucos os participantes dos projetos teatrais que podem afirmar que suas práticas teatrais criam um chamado específico à ação entre aqueles que moram e trabalham nas prisões. 

Este texto3originalmente publicado como capítulo no livro Teatro em prisões e a crise global do encarceramento (editora Hucitec, 2021) analisa como um grupo de participantes dos projetos de teatro em prisões na África do Sul usaram o teatro como inspiração para enfrentar problemas de injustiça social, principalmente em relação ao HIV e AIDS. Perto de Durban, a professora de teatro Miranda Young-Jahangeer e seus alunos da Universidade de KwaZulu-Natal idealizam apresentações com mulheres da Penitenciária Feminina de Westville, abordando as injustiças que estão presentes no tratamento às mulheres. Elas usam apresentações teatrais para promover mudanças sociais significativas em suas próprias vidas e na de outras mulheres encarceradas. A longevidade e o sucesso desse projeto se dão graças à habilidade dos coordenadores em ouvir as pessoas em situação de cárcere e compartilhar com elas seu poder e influência o máximo possível, conforme o ambiente da prisão permitir.

 

Sobre a autonomia das pessoas no cárcere e na África

Como se espera, é difícil para pessoas na prisão convencerem a nós, libertos, de que elas possuem inteligência, habilidades, conhecimentos e capacidade de resolver problemas para melhorar suas vidas. Costumamos acreditar que essas pessoas acabaram atrás das grades porque não possuem senso comum ou habilidades que evitariam sua prisão, ou, ainda, que não são exatamente humanas, no sentido orwelliano de que “alguns animais são mais iguais do que outros”.

Acreditamos, como diz a jornalista Sarah Koenig em seu premiado podcast Serial: “Nós não somos como eles, aqueles que punimos e prendemos, aqueles com cheiro estranho. Eles são uma espécie um pouco diferente, os sentimentos entorpecidos e enrijecidos. Eles não sentem dor, tristeza, alegria, liberdade ou falta de liberdade da mesma forma que eu sentiria”4Sarah Koenig, “A bar fight walks into the justice center”, Serial, produzido por Sarah Koenig, Julie Snyder, Emmanuel Dzotsi & Ben Calhoun, podcast, mp3 audio, 53:00, 20 set. 2018. https://serialpodcast.org/>, acessado em 29 de dezembro de 2018.. Esse distanciamento que criamos entre nós e os outros permite o crescente abuso contra os direitos humanos que são tão característicos nas prisões da maioria dos países.

O filósofo Achille Mbembe descreve uma atitude devastadora e depreciativa em semelhante medida, em relação às pessoas africanas. Ela surge da mesma lógica colonial que permite a existência da cultura global atual de encarceramento em massa. Primeiro, a experiência humana africana aparece constantemente nos discursos de hoje como uma experiência que só pode ser compreendida por meio de uma interpretação negativa.

A África nunca é vista como dona de coisas e atributos que são parte da “natureza humana”. Ou, quando é, são coisas e atributos geralmente de menor valor, de pouca importância e baixa qualidade. É a elementaridade e primitivismo que faz com que a África seja um mundo por excelência de tudo aquilo que é incompleto, mutilado e inacabado, cuja história é reduzida a uma série de adversidades da natureza em sua busca por humanidade.5Achille Mbembe, On the postcolony (Berkeley: University of California Press, 2001, n. 1).

Desta forma, é possível dizer que as prisões africanas detêm as pessoas mais exiladas no mundo, excluídas do contrato social em um continente que já se encontra em um lugar de ausência e perda. Mbembe expõe um princípio fundamental em seu livro On the postcolony (Sobre o pós-colonial), de que “o sujeito africano é como qualquer outro, ele é capaz de atos significantes” (destaque conforme original).6Ibid., p. 6.

Os homens e mulheres no cárcere, descritos neste capítulo, e os encarcerados em todo o mundo, também possuem vidas importantes, certa possibilidade de ação dentro do confinamento da prisão e a habilidade de contribuir significativamente para a cultura, a política, suas famílias, suas comunidades e países. Young-Jahangeer vê o teatro como um meio de transformação da prisão em um lugar em que aqueles que vivem dentro dos muros podem “contestar a instituição7Miranda Young-Jahangeer, conversa com a autora, 22 de novembro de 2018.. As pessoas encarceradas participantes dos projetos de teatro desse capítulo se deparam com vários desafios específicos relacionado aos legados do apartheid e cultura das penitenciárias na África do Sul.

 

A África do Sul como estado carcerário

A África do Sul, nova e recente nação democrática, não foi capaz ainda de se livrar dos legados do colonialismo e do apartheid que dominaram tanto de sua história. Apesar dos esforços do Congresso Nacional Africano (ANC) e da Comissão da Verdade e da Reconciliação, a equidade ainda é fugidia. A criminalidade, a violência de gênero e a pobreza devastam a população, em sua maioria negra, enquanto o país luta para superar seu passado e articular sua identidade atual.

Neal Lazarus, em seu artigo The South African ideology: the myth of exceptionalism, the idea of renaissance (“A ideologia da África do Sul: o mito do excepcionalismo, a ideia da renascença”, tradução nossa), escreveu: “[...] um tipo de violência se instaura pela disseminação da ideia de que todos somos sul-africanos, de que somos sul-africanos juntos... Ao expressar a cidadania como questão de identificação, logo de afiliação, a linguagem da “Nova” África do Sul encobre a luta em prol dela — uma batalha que ainda não pode ser declarada vencida, de uma vez por todas, simplesmente porque o apartheid não existe mais.8Neal Lazarus, “The South African ideology: the myth of exceptionalism,the idea of renaissance,” outh Atlantic Quarterly 103.4 (2004, p. 620).

Sarah Nuttall descreve de maneira parecida o “emaranhamento” — e não a unificação — de culturas de diferentes grupos de sul-africanos à medida que eles lutam para “se defrontar com um legado de violência em uma sociedade baseada na desigualdade”.9 Sarah Nuttall, Entanglement: literary and cultural reflections on post-apartheid (Johannesburg: Wits University Press, 2009, p. 12). Dos 161.054 homens e mulheres que se encontram em prisões na África do Sul, 80% são negros, 12% são pardos e 1,6% são brancos. São exemplos vivos de como a divisão existe na sociedade na era pós-apartheid. Um estudo de 2013 apontou que no país homens negros têm seis vezes mais probabilidade de serem presos do que homens brancos.10Derrek Thulani & Sasha Gear, “South Africa: prison population”, Just Detention International Prison Insider website (fev. 2018), <https:// www.prison-insider.com/countryprofile/prisonsinsouthafrica?s=la-population-carcerale#la-population-carcerale>, acessado em 30 de dezembro de 2018.

As divisões entre os sul-africanos podem ser claramente vistas também fora das prisões. Em minhas viagens à África do Sul em 2014 e 2017, fiquei surpresa com o fato de que em todos os lugares em que estive, nas grandes cidades (Joanesburgo, Durban, Pretória e Cidade do Cabo), casas, lojas, comércios, escolas e universidades eram protegidas por cercas, arames e muros impenetráveis.

Nenhum outro país que visitei se parecia tanto com uma prisão. Em 2014, Andy e eu ficamos hospedados em uma parte rica de Joanesburgo chamada Rosebank, e apesar da riqueza aparente dos moradores do bairro, todas as casas e prédios pareciam prisões. Tudo ficava por trás de paredes ostensivas, muros sólidos cercados de fileiras de rede laminada. De uma janela do hotel, podíamos ver uma escola de elite do outro lado da rua com uma piscina luxuosa e um campo de futebol coberto por grama da melhor qualidade.

Quando nos aproximamos da escola, tudo que conseguíamos ver eram muros e arames. A creche do outro lado da rua era protegida de maneira parecida, assim como todas as casas absurdamente grandes nas ruas próximas. Em outros bairros ricos em que estive, por acaso ou por querer, como Beverly Hills, nos EUA, ou uma área residencial luxuosa no Cairo, no Egito, encontrei paredes altas e portões ornamentados, mas nunca isso. Em Joanesburgo, parece que quanto mais preso você conseguir estar em casa, na escola ou no local de trabalho, melhor de vida você estará. Enquanto outros lugares ricos tentavam se confinar de maneira discreta, aqui, a estética confinada, que em outros lugares significa pobreza, anunciava riqueza.

Em todos os lugares a que fui, os sul-africanos falavam o tempo todo sobre crimes e me avisavam para não andar pela cidade à noite, mesmo que  tivesse a companhia do Andy para desbravar as ruas comigo.11 Embora tenhamos nos identificado como sendo pessoas descendentes de mexicanos e por isso membros de um grupo que sofre discriminação nos EUA, sem dúvida somos tidos como brancos na África do Sul. Isso tem um impacto significativo no modo como somos percebidos — como corpos em perigo e precisando de proteção. Não posso dizer como nossas experiências teriam sido diferentes se tivéssemos sido interpretados como negros ou pessoas racializadas (no sentido da África do Sul) nos mesmos contextos. Levamos o aviso a sério.

Em dois momentos diferentes em Joanesburgo e Pretória, fomos ao teatro à noite para ver apresentações e os membros da equipe do teatro, desconhecidos gentis que tínhamos conhecido na mesma noite, insistiram em nos levar de volta ao hotel pois diziam que era perigoso demais pararmos um táxi sozinhos. Essas interações exemplificam as contradições que encontramos na cultura sul-africana. Fomos alertados sobre a criminalidade, sem dúvida uma realidade perigosa, duas vezes; ao mesmo tempo, as pessoas fizeram de tudo para garantir a nossa segurança.

Não consigo imaginar que pessoas desconhecidas em qualquer cidade grande nos Estados Unidos se ofereceriam para me levar em casa, depois de uma peça de teatro, porque as ruas não são seguras. Os sul-africanos nessas cidades passaram décadas, talvez centenas de anos, subindo muros entre si; no entanto, abriram suas casas e carros para nós diversas vezes de formas inesperadamente generosas para garantir a nossa segurança.

Um dos legados culturais do apartheid pode ser o fato de que uma grande parte dos sul-africanos, de todas as origens raciais e étnicas, compreendem de maneira implícita que as prisões em seu país foram criadas intencionalmente como mecanismos de segregação e opressão racial. Por ser esse o nosso objeto de pesquisa, Andy e eu conversamos sobre prisões com a maioria das pessoas que encontramos na África do Sul. Nessas conversas em encontros casuais — com pessoas que trabalham em hotéis, motoristas de táxi ou funcionários de teatros — as pessoas não reagiram ao assunto com a surpresa, desconforto ou sobressalto que muitas vezes encontramos em outros países.

Os sul-africanos que encontrei pareciam ter menos premissas negativas sobre as pessoas presas e egressas do que pessoas de outros países. Os sul-africanos me pareceram relutantes em condenar seus compatriotas encarcerados como criminosos natos e incorrigíveis. Afinal, o ex-presidente Nelson Mandela e outros membros do Congresso Nacional Africano em meados dos anos 1990 passaram décadas detidos em prisões antes de inaugurarem uma nova era da democracia na África do Sul. Apesar disso, persiste no país o medo desenfreado do que o New York Times chamou de uma “criminalidade violenta alastrada”.12 Norimitsu Onishi and Selam Gebrekidan, “They eat money: How graft enriches Mandela’s political heirs”, New York Times CLXVII, n.º 57,934 (16 abr. 2018, p. A10).

Alexandra Sutherland observa que “os crimes na África do Sul são uma obsessão nacional. Todos são afetados e convivemos com umas das taxas mais altas de assassinatos e violência sexual no mundo”.13 Alexandra Sutherland, “Now we are real women: playing with gender in a male prison theatre programme in South Africa”, Research in Drama Education: The Journal of Applied Theatre and Performance 18.2 (2013, p. 124). Os muros e prisões continuam a existir e são considerados por muitos como necessidade urgente, apesar de serem reconhecidos como estruturas legadas de terrorismo e opressão do Estado.


A história das prisões na África do Sul

Em muitas partes do mundo, inclusive na África do Sul, as prisões e a cultura do encarceramento em massa se tornaram tão onipresentes que temos dificuldade em imaginar um mundo em que não existam.14 Angela Y. Davis, Are prisons obsolete? (Nova York: Seven Stories Press, 2003, p. 9). No entanto, as prisões como conhecemos hoje eram extremamente raras no continente africano em tempos pré-coloniais.15 Stephen Peté, “A brief history of human rights in the prisons of Africa”. O teatro como estratégia para mudança social [ 195 ] In: Jeremy Sarkin (ed.), Human rights in African prisons (Cape Town: HRSC Press, 2008, p. 40). A reclusão e encarceramento costumavam ser vistos como consequência imprópria para o crime, porque o foco devia ser a compensação da vítima, e não a punição do criminoso.

A colonização britânica e o tráfico de pessoas escravizadas formaram as bases para os sistemas carcerários que hoje dominam o cenário da justiça criminal em muitos países africanos (e muitas vezes também para os edifícios, pois as fortalezas e castelos que encerravam pessoas escravizadas foram transformadas em prisões).16 Ibid., pp. 41, 43. O mesmo fenômeno pode ser observado nos Estados Unidos, na transformação de fazendas escravagistas, como a Parchman, no Mississippi, e a Angola, em Luisiana, em algumas das maiores e mais antigas prisões do Sul. Essa lógica de encarceramento em muitas partes do mundo atual não é produto irreversível da natureza humana, mas sim um sistema enraizado e amplamente difundido de estratificação e opressão social.

As prisões como instituições permanentes foram estabelecidas no sul da África antes do restante do continente, e formaram “parte integrante de um sistema de opressão racial que em meados do século XX desenvolveu o famigerado sistema político conhecido como 'apartheid'”.17 Ibid., p. 45. Andy e eu visitamos uma antiga prisão da era do apartheid, hoje transformada em museu, em Braamfontein, bairro de Joanesburgo. Construída em 1892, Constitution Hill funcionou como prisão pela maior parte de sua história, com um breve intervalo em que se tornou um posto militar avançado durante a Guerra Anglo-Boer (1899–1902). A prisão funcionou por mais de 100 anos, recebendo homens e mulheres, muitos condenados pelo simples fato de serem negros durante o apartheid.

Muitos prisioneiros políticos cumpriram pena nessa prisão, como Mahatma Gandhi, Nelson Mandela, Winnie Madikizela-Mandela e Albertina Sisulu. Em meados dos anos 1990, após a queda do apartheid e a libertação de Nelson Mandela da prisão, a prisão de Constitution Hill fechou.18 Mandela passou um breve período em Constitution Hill e a maior parte de sua sentença de prisão em Robben Island no litoral de Cape Town.

Visitamos primeiro a ala dos homens negros. Nos prédios que ainda existem, vimos quartos e mais quartos de cimento em que os homens dormiam como sardinhas enlatadas. Eles tinham apenas cobertores ou finas placas de madeira sobre as quais dormir e eram forçados a dormir grudados uns nos outros, cada cabeça espremida entre os pés de outras duas pessoas. Uma latrina aberta ficava no canto de cada quarto, e os homens mais pobres e mais fracos eram obrigados a dormir o mais próximo do mau cheiro do esgoto. O museu permite que a tinta descascando, o chão e as paredes frias falem por si, incluindo apenas algumas sinalizações bem-feitas para explicar como funcionavam os quartos.

Os cobertores ásperos cinzentos com algumas listras brancas em cada uma das pontas foram transformados em “esculturas de cobertores”, muito bem executadas, para demonstrar onde os homens dormiam à noite. Essas esculturas que evocam pessoas reais, além de mais artísticas, também comovem mais do que os manequins demonstrativos que existem em vários museus. Os próprios residentes da Constitution Hill faziam esse tipo de escultura durante o tempo em que ficavam presos. Também trabalharam com outras manifestações artísticas usando papel machê e outros materiais. As esculturas de cobertores expostas no museu da Constitution Hill foram feitas por dois egressos da prisão, que voltaram para contribuir com o museu.

Essa participação de pessoas que já passaram pela prisão na curadoria do museu aparece em várias das exposições em Constitution Hill, assim como aparecem oportunidades para que os visitantes possam interagir com o que estão vendo. Quadros de mensagens fazem parte das exposições, com perguntas específicas para os visitantes, motivando-os a compartilhar suas ideias sobre, por exemplo, se as pessoas descritas nas exposições foram presas injustamente ou qual seria o legado mais importante de Gandhi para a África do Sul.

A ideia da participação ativa dos visitantes no museu, e na continuidade da história da África do Sul, está alinhada com os objetivos e esforços da Comissão da Verdade e da Reconciliação em representar as experiências das pessoas comuns junto aos maiores eventos de agitação civil do país. Esse ímpeto de incluir cidadãos comuns na revisão das narrativas nacionais da África do Sul ressurgem no teatro a que assisti nas prisões do país.

O apartheid funcionou para manter a opressão e impedir que pessoas comuns se organizassem, por meio da segregação de grupos e de indivíduos entre si. A Constitution Hill possuía um bom número de celas de confinamento solitário em seus vários prédios. Na ala da prisão reservada para homens brancos, as celas de isolamento possuíam uma mesinha parafusada na parede e piso de madeira. Não vimos uma cama sequer na prisão. Parece que todos dormiam em paletes ou nos cobertores de lã cinza no chão.

As celas de isolamento para homens brancos eram duras e intimidantes, mesmo que fossem duas vezes maiores do que as celas de homens e mulheres negras. Pensei no que essas ligeiras diferenças significavam para os detentos. Será que um chão de madeira traz muito mais conforto e dignidade humana do que um de concreto gelado? Que parte da sanidade e estabilidade emocional de uma pessoa estaria mais assegurada pelo acesso a alguns metros a mais de espaço para se mover?

Eu me contive até que vimos as celas de isolamento dos homens negros. Como eu já havia percebido em grande parte das prisões que visitei ao redor do mundo, em alguns lugares parece irradiar dor das paredes e do chão com uma intensidade fria. As paredes presenciaram tanto sofrimento que parecem tê-lo absorvido. Entramos nas celas e fechamos a porta para ter uma noção do que as pessoas suportaram nesse lugar. A parte de trás de cada uma das portas de metal era coberta por escritos riscados na tinta. O pequeno pátio do lado de fora das celas é coberto por uma rede de fio aramado para que, mesmo quando você saísse para tomar sol, visse uma barreira cruel surgir entre você e o céu.

Em uma área separada da prisão, as mulheres cumpriam suas penas separadas dos homens. Hoje, as celas de isolamento para mulheres negras abrigam exposições do museu. Em frente a cada uma das portas das celas, fica um grande painel com uma foto e um rascunho biográfico de uma das mulheres que cumpriu pena naquela ala. Dentro de cada cela, um monitor exibe trechos de entrevistas feitas com as mulheres que estão nos painéis, e, entre as telas, ficam objetos que pertenceram a essas mulheres.

Uma das mulheres diz em seu vídeo que ela tinha o vestido de casamento mais lindo possível, comprado no dia em que ela foi presa. Ela vestiu o uniforme da prisão por muito tempo, esperando pelo fim do cárcere para que pudesse mostrar o vestido de casamento para a família. O vestido amarelo vívido fica pendurado na cela atrás da tela de vídeo que exibe a sua história. Este contraste entre a vitalidade e a tenacidade das pessoas que suportaram a prisão durante o apartheid e a realidade sombria das prisões se manifestou na revolta política e cultural que mudou a África do Sul tão radicalmente.

O fim do apartheid, no início dos anos 1990, trouxe consigo reformas significativas para o código penal da África do Sul, incluindo um mandado para a dessegregação das prisões.19 Human Rights Watch, “Prison conditions in South Africa” (8 fev. 1994), <https://www.hrw.org/legacy/reports/1994/southafrica/>, acessado em 17 de junho de 2018. No entanto, a implementação prática da dessegregação ficou nas mãos dos funcionários dos cargos mais altos de cada prisão, que poderiam separar os detentos conforme raça ou etnia, caso os oficiais justificassem a prática como necessária para evitar conflitos.20 Gail Super, “Like some rough beast slouching towards bethlehem to be born: A historical perspective on the institution of the prison in South Africa, 1976-2004,” British Journal of Zriminology 51.1 (2011, p. 208). O uso do encarceramento como meio de controle pelo Estado acabou aumentando, mesmo quando Nelson Mandela e outros que passaram décadas presos ocuparam os cargos mais altos no governo da África do Sul.

Nos dez anos que se seguiram à primeira eleição democrática do país, que ocorreu em 1994, a população de presos na África do Sul aumentou em 60%.21 Kelly Gillespie, “Moralizing security: «corrections» and the post-apartheid Prison,” Race/Ethnicity: Multidisciplinary Global Contexts 2.1 (Autumn 2008, p. 70). Uma crise paralela ocorrida praticamente no mesmo período, o HIV/AIDS dentro de prisões da África do Sul se espalhou drasticamente, à medida que o “número de mortes devido a 'causas naturais' teve um aumento brusco, de 186 em 1995 para 1.087 em 2000, 90% das quais se acredita serem provavelmente relacionadas à AIDS”.22 Peté, 59. As reformas penitenciárias que acompanharam o surgimento da democracia permitiram que voluntários oferecessem projetos de teatro nas prisões na África do Sul pela primeira vez.23 Miranda Young-Jahangeer, “Bringing into play: investigating the appropriation of prison theatre in Westville Female Prison, KwaZulu-Natal (2000-2004),” South African Theatre Journal 19 (2005, p. 143). Os profissionais do teatro que começaram a oferecer esses projetos pela primeira vez se juntaram aos detentos para reagir à epidemia urgente e generalizada de HIV/AIDS.

 

O teatro em prisões da África do Sul e o HIV/AIDS

Muito antes da permissão de projetos externos nas prisões, a África do Sul tinha uma longa e rica tradição de teatro de protesto. Gibson Kente, conhecido como “o pai do teatro urbano”, promoveu uma cultura vibrante de performance entre cidadãos sul-africanos pobres e negros desde a década de 1960 até a sua morte por complicações relacionadas à AIDS, em 2004.24 Liz McGregor, “Gibson Kente: South Africa’s father of township frama”, The Guardian (9 nov. 2004), <https://www.theguardian.com/ news/2004/nov/10/guardianobituaries.southafrica>, acessado em 30 de dezembro de 2018. Athol Fugard, talvez o dramaturgo sul-africano mais célebre, começou a trabalhar para a dessegregração do teatro profissional no final dos anos 1950 e continuou a usar suas peças de teatro para defender a justiça social desde então. Gcina Mhlophe transformou o seu ativismo anti-apartheid em uma série de solos teatrais nas décadas de 1980 e 1990, e ganhou reconhecimento internacional por isso.25 Gcina Mhlophe website, <http://www.gcinamhlophe.co.za/index.html>, acessado em 30 de dezembro de 2018.

Apesar de muitos textos memorialistas sobre o encarceramento terem sido elaborados durante o apartheid, ninguém podia produzir teatro em prisões na África do Sul até as reformas legislativas de 1996, que permitiram que as propostas externas chegassem a esses espaços pela primeira vez. Assim que o teatro recebeu autorização para acontecer dentro das prisões, as pessoas cumprindo pena nelas manifestaram urgente e constantemente o desejo de representar os efeitos da crise do HIV/AIDS que viviam.

De todos os projetos teatrais em prisões que pesquisei ao redor do mundo, os da África do Sul se destacam por sua abordagem constante em relação à crise de saúde pública do HIV/AIDS, buscando gerar mudanças culturais dentro das prisões. Em nenhum outro país os participantes de projetos teatrais abordam temas específicos dessa forma, exceto talvez apenas o tema da própria prisão. Johannes Visser descreve o trabalho feito nessa linha por praticantes do teatro da Universidade de Pretória, que entre 2006 e 2009 criaram, aproximadamente, oito peças sobre HIV/AIDS, que foram apresentadas por jovens em privação de liberdade.26 Johannes Visser, “Space and involvement: theatre in (a) South African prison”, Matatu 43.1 (2013, p. 167).

A professora Alexandra Sutherland coordena um projeto de teatro em uma prisão masculina na África do Sul desde 2012 e diz que esse trabalho foi guiado pelos interesses do grupo, “primeiramente [...], a partir de problemas, muitas vezes falando sobre a vida na prisão, o estigma em relação ao HIV/AIDS ou os desafios de voltar para a família e a comunidade”.27 Sutherland, 122. Christopher John, que era na época colega de Young-Jahangeer na Universidade de KwaZulu-Natal, trabalhou com homens no Centro Penitenciário Médio B, em 2003, para criar uma peça chamada Lisekhon’ Ithemba (Ainda há esperança), “que abordava a vida de portadores de HIV/AIDS” [sic] na prisão.28 Christopher John, “Catharsis and critical reflection in isiZulu prison theatre: A case study from Westville Correctional Centre in Durban”. In: Hazel Barnes (ed.), Arts activism, education, and therapies: transforming communities across Africa (Amsterdam: Rodolpi, 2013, p. 87).

O Themba Interactive, uma instituição de serviço social que fornece informações sobre HIV/AIDS por meio do teatro, atuou em prisões de 2009 até 2014. Essa companhia de teatro apresentou encenações que informavam o público sobre saúde pública em relação à crise de HIV/AIDS e motivava as pessoas do público a tomarem suas medicações. O projeto da Themba também usou o teatro para ensinar homens e mulheres cumprindo pena a se tornarem coordenadores de grupos informativos para mudar a cultura prisional em relação ao modo como as pessoas falavam sobre HIV/AIDS e sua reação ao assunto.29Ashley Lucas, “Themba interactive: South African theatre and HIV/AIDS” (3 ago. 2014), <https://razorwirewomen.wordpress.com/2014/08/03/themba-interactive-south-african-theatre-and-hivaids/>, acessado em 8 de agosto de 2019.

Essa lista de projetos ativistas teatrais em torno do HIV/AIDS surge de uma pesquisa das publicações sobre teatros nas prisões da África do Sul, mas acredito que muitas outras iniciativas semelhantes aconteceram e não foram registradas. A preponderância do trabalho do teatro acerca do HIV/AIDS em prisões da África do Sul aponta não somente para a dimensão da epidemia, mas também para a necessidade urgente de respostas práticas e culturais a ela. Isso faz sentido, uma vez que a África do Sul tem das maiores taxas de infecção por HIV no mundo, com uma estimativa de que 7,2 milhões de pessoas no país convivam com a doença; 110.000 mortes ocorreram no país por doenças relacionadas à AIDS apenas no ano de 2017.30“HIV and AIDS in South Africa,” AVERT website, <https://www.avert.org/professionals/hiv-around-world/sub-saharan-africa/south-africa>, acessado em 30 de dezembro de 2018.

Pessoas cumprindo pena em prisões, que somam aproximadamente 10 milhões no mundo, possuem taxas mais altas de infecção por HIV e de outras doenças relacionadas do que aqueles que não estão em prisões.31Ilham El Maerrawi and Heráclito Barbosa Carvalho, “Prevalence and Risk Factors Associated with HIV Infection, Hepatitus, and Syphilis in a State Prison of São Paolo,” International Journal of STD & AIDS 26.2 (2014, p. 120). Dada a transmissão rápida e ampla de tais doenças dentro das prisões em países como os Estados Unidos e o Brasil, cujas populações carcerárias muitas vezes excede o número de vagas disponíveis, é preciso reproduzir em outras partes do mundo as estratégias de maior sucesso dos projetos de Ukuphila e Young-Jahangeer nas prisões da África do Sul.32Ibid., pp. 120-7; A. M. Charles, “Indifference, interruption, and immunodeficiency: the impact and implications of inadequate HIV/AIDS care in US prisons”, Boston University Law Review 92.6 2012, pp. 1979– 2022). A premência e persistência da crise de HIV/AIDS nas prisões da África do Sul também ajudam a entender como as dificuldades da saúde e segurança públicas estão profundamente e intimamente interligadas.

texto originalmente publicado como capítulo no livro
Teatro em prisões e a crise global do encarceramento
(editora Hucitec, 2021)


 

CONCILIO, Vicente. Teatro e prisão: dilemas da liberdade artística. São Paulo, Hucitec, 2008.

LUCAS. A. Teatro em Prisões e a Crise Global do Encarceramento. Tradução: Vicente Concilio. São Paulo, Hucitec. 2021.

LUCAS, A. E.; CONCILIO, V. Uma conversa sobre arte e teatro nas prisões com Ashley Lucas. Urdimento - Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 29, p. 145-156, 2017.

NARVAES, V. B. Contribuições para uma história do teatro nas prisões do Brasil. Urdimento - Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 3, n. 39, p. 1-29, 2020

Ashley Lucas | EUA |

Professora de teatro e drama na Universidade de Michigan e foi diretora do Prison Creative Arts Project (PCAP) — projeto desenvolvido com o objetivo de levar arte para as prisões, por meio das linguagens artísticas e da literatura. Suas atividades de pesquisa e ensino incluem estudos sobre teatro latino-americano, teatro e enclausuramento e teatro para a mudança social. É autora do livro Teatro em Prisões e a Crise Global do Encarceramento, publicado pela editora Hucitec em 2020.

razorwirewomen.wordpress.com/

 

lucasash@umich.edu

Vicente Concillio | BRASIL |

Professor em Artes Cênicas na UDESC — Universidade do Estado de Santa Catarina. Estuda práticas teatrais abolicionistas dentro do sistema penal e busca reunir pessoas que fazem teatro em prisões pelo Brasil e em outros países, por meio do Observatório de Práticas Artísticas no Cárcere e em Espaços de Privação de Liberdade, grupo de pesquisa que lidera junto com Viviane Becker Narvaes (Unirio).

 

viconcilio@gmail.com

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