Instituto Unibanco
Gestão escolar para equidade: caminhos para uma educação antirracista
| Brasil |
novembro de 2019
Gestão escolar para equidade: caminhos para uma educação antirracista
A partir da promulgação da Constituição de 1988, a Educação Básica pública no Brasil vivenciou uma série de avanços. Não tão rápidos e intensos para garantir até hoje o direito de todas e todos, mas foram avanços.
O exemplo que demonstra mais fortemente esse progresso é o do Ensino Fundamental, que conseguiu praticamente ser universalizado e com indicadores seguindo trajetória ascendente de maneira consistente. Em 2018, por exemplo, 98% dos estudantes de 6 a 14 anos estavam matriculados no ano/série adequado à idade1TODOS PELA EDUCAÇÃO; EDITORA MODERNA, 2019, p. 30.. E o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) dos anos iniciais2Principal indicador de qualidade da educação do Brasil, o Ideb foi criado em 2007 e reúne os resultados de dois conceitos: o fluxo escolar e as médias de desempenho nas avaliações. É calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e das médias de desempenho nas avaliações do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) – o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb)para as unidades da federação e para o país, e a Prova Brasil, para os municípios. dessa etapa de ensino na rede pública alcançou 5,5 em 2017, tendo partido de 3,6 em 20053 TODOS PELA EDUCAÇÃO; EDITORA MODERNA, 2019, p. 64. – seguindo na direção da meta pactuada para o país, que é 6,0, a ser atingida em 2021.
Apesar disso, o país ainda carrega e renova anualmente muitas de suas dívidas históricas. Taxa de analfabetismo elevada (em 2018, 6,8% da população com 15 anos ou mais ainda era analfabeta)4Ibidem, p. 81., índices de evasão, abandono e distorção idade-série persistentemente altos (a cada 100 estudantes que ingressam na escola, apenas 64 concluem o Ensino Médio na idade esperada)5Ibidem, p. 16. e nível de aprendizagem no Ensino Médio baixo e estagnado (Ideb da rede pública na última etapa da Educação Básica partiu de 3,4, em 2015, e chegou a apenas 3,8, 2017, permanecendo distante da meta)6Ibidem, p. 64. são exemplos categóricos.
Ainda mais grave é a situação se observados os dados com lupas de diferenciação, como as de raça, gênero, território etc.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), coerente e fundamentada em convenções e pactos internacionais, aponta para esses desafios. Além disso, as alterações que foram feitas reforçam os compromissos. A inclusão da Educação Infantil e do Ensino Médio como etapas obrigatórias (Lei nº 12.796/2013), o ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena também como imperativo (Leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008) e o estabelecimento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e, depois, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) (Leis nº 9.424/1996 e nº 11.494/2007) – que possibilitaram, mesmo com necessidade de aprimoramentos, incrementar o financiamento da educação pública no país – são exemplos estruturantes que deveriam reforçar os caminhos de avanço.
Apesar disso, o atual contexto – de questionamento a valores plurais e democráticos que fundamentaram os passos dados nas últimas três décadas e de piora nas condições objetivas de oferta da educação pública, diante da crise econômica – torna mais desafiantes os caminhos de enfrentamento dos problemas que a educação pública brasileira não conseguiu superar. Em especial, a necessidade de priorização e focalização das ações em prol das populações que historicamente são discriminadas e excluídas.
Nesse contexto, provocado pelo tema desta edição de Periferias (A potência e os desafios da escola pública) e coerente com nosso compromisso institucional de valorização do ensino médio público, este texto debaterá as desigualdades, principalmente raciais, no Ensino Médio público e como a gestão, a partir da concepção do Instituto Unibanco, pode contribuir para seu enfrentamento.
II
Gestão e o enfrentamento das desigualdades
Traço estrutural da sociedade brasileira, resultante de longo processo sócio-histórico7Ver Ramos (1958); Nascimento (1978), Hasenbalg (1979), Gonzalez e Hasenbalg (1982); Hasenbalg e Silva (1988); Henriques (2011); Carneiro(2011); Carone e Bento (2014), o racismo é reforçado e reproduzido na educação pública, sustentando o hiato que distancia os níveis de garantia dos direitos entre as populações branca e negra – do acesso à conclusão com sucesso. A partir do recorte de raça, é possível observar em todos os indicadores educacionais o tamanho dessa diferença. Os dados a seguir abordam apenas o Ensino Médio e podem ser encontrados e analisados no Observatório de Educação, desenvolvido pelo Instituto Unibanco .
A taxa de aprovação entre os estudantes brancos foi de 84,4%. Já entre os estudantes negros, de 80,1%. Se observada a reprovação, também há diferença; 10,3% entre brancos e 11,9% entre negros. Assim como nos dois indicadores de rendimento, o percentual de abandono entre jovens negros (7,9%) e brancos (5,2%) é desigual8Elaborado pelo Instituto Unibanco com base em informações do Censo Escolar - Situação Final 2018, INEP..
Como uma das principais consequências da falta de acesso, das reprovações e do abandono, o atraso escolar demonstra o tamanho dessa desigualdade. Ele é medido pela taxa de distorção idade-série, que é a parcela de alunos com dois anos ou mais de atraso em relação à idade ideal de frequentar a etapa de ensino. Para os estudantes negros, essa taxa foi de 21,1%; para os brancos, de 11,3%9Elaborado pelo Instituto Unibanco com base em informações do Censo Escolar 2018, INEP..
Se observada a proficiência, a diferença continua. Os alunos negros tiveram nota média no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 256, enquanto que os estudantes brancos alcançaram 27010Elaborado pelo Instituto Unibanco com base em informações do Saeb 2017, INEP..
Fonte: Elaborado pelo Instituto Unibanco com base em informações do Saeb 2017, INEP.
As notas de Língua Portuguesa e Matemática do Saeb variam de 0 a 500 pontos. Para comparar as disciplinas e saber se os alunos alcançaram um bom nível de aprendizagem, é possível analisar a distribuição dos alunos nos padrões de desempenho das provas. Na escala Saeb, os padrões são: abaixo do básico, básico, adequado e avançado. Ser branco ou negro não deveria ser condição para um melhor ou pior desempenho. Apesar disso, 44,9% dos estudantes negros encontravam-se no nível abaixo do básico em Língua Portuguesa, enquanto essa porcentagem foi de 33,5%11 Elaborado pelo Instituto Unibanco com base em informações do Saeb 2017, INEP. entre os brancos, por exemplo.
Com tudo isso, apenas 38,9% dos estudantes negros concluíram o Ensino Médio com a idade esperada (19 anos). Já entre os estudantes brancos, o percentual é de 53,9%12 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Pnad, IBGE. Disponível em: <https://educacaoemnumeros.observatoriodeeducacao.org.br>. Acesso: 10 out. 2019..
Não é possível enfrentar tal problema estrutural sem uma estratégia, traduzida num plano consciente, consistente, sistêmico e que avance conforme supera problemas anteriores. Quer dizer, gestão, na visão do Instituto Unibanco, é condição necessária, ainda que não seja suficiente, para promover o salto de qualidade que o Brasil precisa dar em educação, buscando combater a desigualdade com a qual o país convive.
Gestão é um conceito em disputa, que assume diferentes significados dependendo da perspectiva adotada13OLIVEIRA; MENEZES, 2018.. Na nossa visão, “gestão é um processo organizador e mobilizador de esforços, para que um dado objetivo seja alcançado”. Assim, sua importância é estruturadora. “Sem organização, articulação e mobilização em torno de objetivos comuns, como saber para onde queremos ir e acompanhar se estamos chegando lá? Gestão traz intenção para os esforços e direção planejada para a mudança.”14 INSTITUTO UNIBANCO, 2019.
Para o Instituto Unibanco, o grande fator impulsionador, já verificado em experiências internacionais, é o fortalecimento de uma cultura para o avanço na educação. “Muitas vezes, não é fácil reconhecer que aquilo que se pratica há anos pode não ser o melhor para os estudantes e que aprimoramentos são necessários. Programas que desconsiderem o desafio de aprender coisas novas e a importância da integração entre instâncias para olhar a implementação das políticas públicas não serão bem-sucedidos. É fundamental que o ambiente seja propício à construção coletiva do conhecimento, valorizando a diversidade de perspectivas e processos decisórios deliberativos.”15Ibidem.
Dessa maneira, o modelo de gestão preconizado pelo Instituto Unibanco está voltado à busca intencional e consequente de melhores resultados educacionais e também à garantia de condições para o Avanço Contínuo. Essa perspectiva é estruturada por três pilares.
O primeiro é não perder de vista o foco no desenvolvimento dos estudantes no dia a dia, liberando tempo da gestão para se dedicar ao planejamento do ensino e à adoção de outras práticas com maior potencial de atingir positivamente as crianças e jovens.
Assim, no centro do processo educativo deve estar o desenvolvimento integral dos estudantes. “Entendemos por desenvolvimento integral aquele que viabiliza experiências de aprendizagem capazes de preparar os jovens para a vida adulta, atuando em múltiplas dimensões: física, intelectual, social, emocional e simbólica. É para isso que a energia e os esforços das escolas e das redes de ensino devem ser canalizados.”16 INSTITUTO UNIBANCO, 2019.
É fundamental também manter atitude aberta e analítica diante da prática e considerar criticamente o que está sendo feito. “Aprender a fazer diferente requer estudar, trocar e experimentar. Quando uma nova prática se mostra bem-sucedida, é fundamental ter disciplina para registrá-la e disseminá-la. Essas são atitudes de aprendizagem constante a partir da prática formam o segundo pilar do Avanço Contínuo.”17 Ibidem.
Às outras instâncias que compõem a rede, secretarias e regionais, cabe construir uma rede de orientações, regras e apoios, que precisam ter coerência interna para funcionar. “Corresponsabilizar-se significa fazer a sua parte da forma mais efetiva possível."18 Ibidem.
Com a prática dos gestores das diferentes instâncias sustentada por esses pilares, o Instituto Unibanco espera influenciar os modos de fazer e, posteriormente, a cultura de gestão, ponto essencial para o combate à discriminação que mantém os resultados desiguais citados anteriormente. Sem o reconhecimento do racismo, por exemplo, e sem o antirracismo como valor compartilhado entre esses atores, será muito difícil avançar no sentido da equidade.
Isso significa que, provavelmente, adquirir e aplicar conhecimento de práticas pedagógicas variadas, que possam ser aplicadas às diversas necessidades dos alunos, enfrentará desigualdades de traço racial, mas não o suficiente. É preciso incidir na realidade a partir também das características de identidade, reconhecendo-as, valorizando-as, combatendo tudo aquilo que as subjuga.
Assim, o Instituto Unibanco considera que, para ser realmente efetiva, a gestão em educação (das redes, da escola e da própria sala de aula) precisa considerar a diversidade e as desigualdades estruturais e históricas que compõem as escolas e o sistema de ensino como um todo. E apenas com um olhar atento para os processos que produzem as desigualdades o gestor poderá oferecer condições equânimes de desenvolvimento para seus estudantes.
Para promover esse olhar, estimular uma mudança cultural é primordial, garantindo o respeito a valores e baseando as ações neles. Um desses valores é ter altas expectativas para todos. “Uma vez que o direito à educação é universal, educadores e gestores precisam realmente acreditar no potencial que todos os estudantes trazem consigo e atuar de forma a garantir-lhes as condições para seu desenvolvimento, de forma indiscriminada. Além disso, é preciso que o enfrentamento das desigualdades seja um ponto de atenção dentro da escola, de forma que possamos de fato promover justiça escolar.”19 INSTITUTO UNIBANCO, 2019.
Para que tal deslocamento ocorra são necessários esforços diferenciados no interior de todas as escolas. Em cada sala de aula, por exemplo, é possível identificar estudantes com mais dificuldade em determinadas disciplinas e notas adequadas e excelentes em muitas outras. A escola precisa lidar com essas situações, buscar alternativas focalizadas, específicas para que esse aluno supere esses desafios.
Neste contexto, uma das barreiras culturais que impede é a da reprovação. Impedir que o estudante seja promovido de ano devido a duas ou três notas vermelhas, sendo que ele está bem nas outras 15 disciplinas, provavelmente não será a decisão mais acertada. Ao mesmo tempo, é preciso, sim, esperar que ele melhore o desempenho nos conteúdos que não alcançou resultado esperado.
Escolas que funcionam muito bem buscam alternativas, trabalham mais por projetos, ou passam a trabalhar de forma mais interdisciplinar, mas não porque tecnicamente isso é superior, mas porque são criados ambientes em que os professores das diferentes disciplinas valorizam e trabalham para ajudar que essas dificuldades específicas sejam superadas.
Outro valor essencial é o da diversidade. “Acolher a diversidade cultural, identitária e de pensamento é democrático, inclusivo e potente para desenhar melhores soluções. Não se deve paralisar diante de diferenças e discordâncias, mas sim utilizá-las como forças de criação. Para isso, entendemos ser necessário reconhecer o outro para que então possamos identificar a existência de diferentes perspectivas culturais, aceitar essas diferenças e coordená-las. A heterogeneidade deve ser considerada. Vale dizer que o ideal de avanço na educação é extensivo a todos os alunos, independentemente de raça, gênero e ambiente socioeconômico. Uma vez que a educação é um direito humano, ninguém pode ser deixado para trás. A equidade é um valor inalienável a ser perseguido.”20Ibidem.
Dessa maneira, não deixar ninguém para trás implica acreditar que todos têm potência e, consequentemente, é imprescindível reconhecer e valorizar identidades e diferenças. Só assim entendimentos discriminatórios e excludentes, já naturalizados pela sociedade, serão enfrentados.
Passo incontornável para isso é reconhecer a diversidade como variável chave e produzir uma lógica de política social a partir dessa plataforma. Mas não é o bastante. A escola pública também precisa produzir uma agenda em que este reconhecimento é positivo, em que a diversidade assume a centralidade da política educacional brasileira. Assim, é necessária produzir ação afirmativa, mas afirmativa contínua no processo.
Portanto, só baseada nos valores de altas expectativas para todos e valorização da equidade a gestão da educação pública conseguirá ser capaz de verificar, o tempo todo, em que medida está aumentando a desigualdade ou não. Só assim terá entendimento se está se desviando do vetor de produção um bem público, que significa alcançar a excelência com equidade. Essa é a vocação essencial da escola pública, produzir excelência com equidade, é o que a valoriza, que cria campo da responsabilidade pública com os diretores, com os professores, com a comunidade escolar e com a sociedade como um todo. E essa vocação só pode ser traduzida em prática pela escola pública, republicana e laica.
III
Gestão para equidade: fomento e busca por soluções
“A eficiência requer o melhor uso possível dos recursos para que seja possível fazer mais. A eficácia diz respeito à realização do que foi proposto, por exemplo ter aulas acontecendo, estudantes presentes, serviços entregues. Mas não basta ter os serviços entregues se eles não melhorarem a vida dos cidadãos, e a isso se refere o princípio da efetividade. A efetividade na educação se dá quando melhoramos os resultados de acesso, permanência, aprendizagem e desenvolvimento integral. Além disso, o fato de a administração pública se mover pela promoção do bem comum traz nuances para a aplicação dos princípios de eficiência, eficácia e efetividade, que precisam ser combinados a valores de equidade e justiça. Na gestão pública, não se pode ‘alcançar melhores resultados’ se isso significar manter ou gerar desigualdades sociais.”21 INSTITUTO UNIBANCO, 2019.
Nessa perspectiva, hoje a gestão em educação no Brasil precisa continuar avançando para encontrar caminhos que levem à efetividade, à melhoria dos resultados educacionais, ao mesmo tempo em que enfrentem e diminuam as desigualdades.
Com 17 anos da Lei nº 10.639/03, temos uma geração de pessoas que passou pela escola, da Educação Infantil até o Ensino Médio, sob um novo paradigma, que, embora existente, ainda enfrenta muitos desafios para concretizar-se. A baixa institucionalidade desse marco legal e de suas respectivas diretrizes ainda é um nó enfrentado pelas escolas hoje.
Nesse sentido, apoiar práticas de gestão escolar voltadas para a redução das desigualdades raciais e valorização da diversidade é necessário e urgente, já que as pesquisas sobre educação para as relações étnico-raciais apontam que há baixa participação de gestores em ações com essa temática22 GOMES; JESUS, 2013., gerando, assim, fragilidade na implementação dos marcos legais para a educação das relações étnico-raciais nos estabelecimentos de ensino. Também é cada vez mais presente na narrativa de movimentos sociais e pesquisadores que atuam com essa temática o argumento de que não basta reconhecer a existência do racismo e realizar atividades pontuais e isoladas sobre a cultura e a história africana e afro-brasileira. Essa discussão precisa organizar o projeto político pedagógico da escola.
Para isso, ao longo dos últimos cinco anos, o Instituto Unibanco investe na interlocução com organizações da sociedade civil que têm legitimidade e ações articuladas para o enfrentamento das desigualdades raciais presentes no contexto escolar, visando a promoção e a garantia dos direitos de todos e de cada um, como explicitado ao longo deste texto.
No âmbito dessa articulação, como estratégia de intervenção institucional, lançamos, em parceria com o Baobá - Fundo para Equidade Racial e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), duas edições do Edital Gestão Escolar para a Equidade - Juventude Negra para as escolas públicas e organizações sociais de todo o país, com objetivo de contribuir para o desenvolvimento e a implementação de práticas inspiradoras de gestão escolar na temática das relações étnico-raciais. É importante ressaltar que, além da parceria citada, dialogamos com outros importantes atores desse debate.23O Instituto Unibanco também dialoga, apoia e implementa ações em parceria com: Ação Educativa, Associação Brasileira de Pesquisadores(a) Negros(as), Instituto Maria e João Aleixo e Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades.
O Edital Gestão Escolar para a Equidade - Juventude Negra já selecionou, no total, 20 projetos de regiões de todo o país ao longo de duas edições (2014/2015 e 2016/2017). As escolas, juntamente com organizações da sociedade civil, propuseram ações de sensibilização, formação dos profissionais da educação, mudança de currículo, mobilização da comunidade escolar, engajamento juvenil, combate às desigualdades educacionais, valorização da diversidade e reconhecimento das contribuições sociais, culturais, cientificas e políticas dos diferentes povos para a formação do Brasil.
As experiências dos dois editais geraram aprendizados que nos dão pistas sobre como atuar de forma mais assertiva no debate sobre equidade racial no âmbito da gestão escolar, corroborando, inclusive, o que a literatura já vem trazendo.
1) As iniciativas indicam caminhos para a ação das escolas na implementação da temática sem retirar a responsabilidade e a importância da articulação com outras esferas, como secretarias de Educação, universidades, conselhos, movimentos sociais etc. Há elementos que dependem do engajamento das escolas, mas outros devem ser estruturados pela política pública educacional. O investimento numa política de formação de professores orientada para as relações étnicoraciais é imprescindível.
2) Os contextos escolares mais afirmativos e democráticos de gestão possibilitaram a implementação de ações mais enraizadas e qualificadas em relação ao debate racial. Tais contextos mais inclusivos, contudo, dependem sobremaneira de professores e gestores com maior repertório e/ou militância na agenda das relações étnicoraciais, que são por vezes raros no contexto escolar. Uma educação antirracista exige uma ação cotidiana e direta no fortalecimento do diálogo e no combate a práticas culturais excludentes dentro e fora da escola. Por conta disso, ampliar o número de atores apropriados das discussões em torno das relações raciais (despersonalizando o debate) é tarefa mais que necessária.
3) As discussões sobre a questão africana e afro-brasileira devem estar inseridas no Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola e nos planejamentos pedagógicos de todas as disciplinas. As ações devem levar em consideração os marcos legais que situam a diversidade como princípio norteador da educação e, para tanto, o processo de construção do PPP, além de ser coletivo, precisa contar com um diagnóstico consistente sobre as juventudes que compõem a unidade escolar. O uso de dados e evidências acerca desses e dessas estudantes é fundamental para a estruturação de planos de ação consistentes e efetivos.
4) Ao organizar propostas pedagógicas, a instituição deve estabelecer diretrizes para valorizar a diversidade e coibir a discriminação étnico-racial e de gênero, bem como promover a integração da participação e dos saberes das famílias nos diferentes eventos escolares. Como se sabe, o sentido atribuído à educação tende a aumentar quando a/o estudante se reconhece seja no conteúdo, no formato das atividades e mesmo nas possibilidades de ocupação do espaço escolar.
Os aprendizados compartilhados acima não esgotam as possibilidades, mas já indicam o quanto uma gestão escolar pode ser o vetor para a construção de um espaço escolar democrático e plural. A escola pública precisa conhecer a força da diversidade. Mas não só. Ela precisa se engajar cotidianamente no desenvolvimento de ações voltadas para a redução das desigualdades estruturantes, produzindo ação afirmativa contínua no processo educacional.
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