Narrativas

periferias 4 | escola pública: potências e desafios

foto: Jaydson Sousa e Silvia Duarte

Slam interescolar Akewí

Clara Carolina de Oliveira Costa
Geovanna Laura Santos Januario
Isabela Kaila da Silva Cunha

| Brasil |

dezembro de 2019

Poesia na escola, Ideia na Poesia

O Slam Akewí, de Viçosa, Minas Gerais, trabalha pelo reconhecimento e  valorização das manifestações culturais e artísticas periféricas e negras. Por meio de poesias, apoiadas pelos valores civilizatórios das sociedades negro-africanas da ancestralidade, oralidade e corporeidade - formas reelaboradas das culturas africanas trazidas pela diáspora da escravização negra - nosso trabalho cotidiano se fez necessário, como contraposição ao imaginário social brasileiro, carregado de estigmas e estereótipos decorrentes do processo  racista sócio histórico estrutural do Brasil.

O Slam Akewí  é um projeto independente, idealizado em  julho de 2017 por Clara Costa, na cidade de Viçosa. Sua equipe é constituída, desde o início, apenas por mulheres negras: Geovanna Laura e Isabela Kaila e Andressa Farias, quando expandimos para a cidade de Ipatinga. Nossa proposta tem sido realizar um trabalho de base, independente em relação do espaço ocupado -  da escola pública às ruas, pautando a expressão livre, democrática da Juventude Negra de nossas cidades. 

Nossa principal atividade é realizar competições de poesia falada a cada mês nas cidades de Viçosa e Ipatinga, ambas localizadas no interior de Minas Gerais. A Batalha de Poesia Falada apresenta três regras: textos autorais de até três minutos, sem acompanhamento musical ou de figurinos, “da rua pra escola e da escola pra rua”, como no grito do Slam da Guilhermina, grupo de Slam de São Paulo. Nossa preocupação é com o trabalho de base capaz de promover intervenções poéticas educativas e oficinas baseadas na ARTE-EDUCAÇÃO, com o foco nas escolas públicas. 

Também desenvolvemos material informativo e didático sobre manifestações culturais periféricas, artísticas e de escrita negra, com intuito de resignifica-las  nas escolas públicas e na sociedade, apresentando a poesia como uma ferramenta pedagógica, de alto potencial educativo, tanto dentro como fora das escolas, quando a aluno e o aluno se tornam protagonistas; a cultura negra e periférica dos jovens é evidenciada, iniciando  o processo de construção identitária e do próprio reconhecimento cultural nos espaços ocupados.

A prática do Slam Interescolar veio da França e chegou ao Brasil em 2014, com Emerson Alcade, poeta integrante do Slam da Guilhermina. O movimento foi se expandindo e conquistando cada vez mais lugares nos estados brasileiros, tanto em espaços formais como em não-formais, colocando em foco a poesia como metodologia pedagógica. Em Minas Gerais, a primeira edição do Slam Interescolar MG aconteceu em Juiz de Fora em 2018. Já a final do Slam Interescolar BR ocorreu em Belo Horizonte, em 2018.

O Slam Interescolar BR aconteceu junto ao Slam MG, quando pudemos conhecer pessoalmente um trabalho de Slam com escala nacional. Tivemos contato direto com organizadores, inclusive com o Emerson Alcade, do Slam da Guilhermina, pioneiro no Brasil, e com estudantes poetas, renovando nossas forças. Em 2019, começamos a nos preparar para realizar o Slam Interescolar, adaptando-o à nossa realidade de Viçosa e Ipatinga. 

Valorizando o contexto social, econômico e histórico dos estudantes, o Slam Akewí passou a trabalhar e desenvolver materiais didáticos autorais que introduzisse história de algumas Manifestações Culturais Periféricas como o funk, muito apreciado pelos estudantes, embora “monstrualizado” no imaginário social da grande massa para situar o contexto histórico, social e política dessas manifestações. 

Com questões e desafios sempre voltados para a realidade da juventude negra, trabalhamos a oralidade e a importância da escrita para adolescentes como forma de expressão, de emancipação política e de contestação. Nas escolas, trabalhamos com um esquema referência: abertura introdutória sobre a Batalha de Poesia Falada e Intervenção Poética com poetas convidados, oficina de escrita e performance (preparação das poesias pelos próprios estudantes), e a Batalha de Poesia em si, na escola pública. Apesar de vários desafios metodológicos e financeiros, conseguimos executar o Slam Akewí Interescolar com muito pouco apoio da rede pública de educação dos municípios.

Em dois anos de existência, conseguimos trabalhar com aproximadamente 50 escolas de várias cidades do estado, de forma totalmente independente, com oficinas, palestras, organização de eventos, intervenções poéticas. Distribuímos mais de 7.000 zines informativos das Manifestações Culturais Periféricas: FUNK, SLAM e HIP HOP (2018), e 1000 livretos de poesias dos próprios poetas e poetas estudantes (2019). 

Nas trocas cotidianas com professores, educadores, estudantes e pais, recebemos diversos relatos sobre percepções da poesia como forma de metodologia que encoraja alunas e alunos, de entusiasmo coletivo. A interação e  relação criada pela poesia é evidente, mesmo entre estudantes que não escrevem poesia. A troca e a construção se tornam coletivas e passamos a acreditar cada vez mais no potencial próprio e no do próximo. A professora de Literatura Mariana Lenir Moura de Jesus, da Escola Estadual Alice Loureiro, de Viçosa, compartilha: 

“As aulas e práticas têm sido de grande valia para os estudantes, haja vista que os mesmos se reconhecem nas falas, apresentam suas indagações nos debates e veem se empoderando cada vez mais do discurso da poesia marginal, além de aprimorarem-se nas práticas de leitura e escrita. As atividades propostas (produção de poesias ou textos em prosa) estão sendo desenvolvidas pelos estudantes de forma entusiasmada e, ao longo de todos os encontros, perceptivelmente desenvolveram a aprendizagem de conceitos básicos da linguagem poética, o que pode ser visto em suas últimas produções textuais.

Acreditamos que a presença das graduandas representantes do Slam Akewí em sala de aula é extremamente importante para estes estudantes, tanto em nível de ensino e aprendizagem quanto como forma de representatividade para os mesmos, já que a maioria dos estudantes é negra e de comunidades periféricas da cidade de Viçosa. Com os encontros, as alunas e alunos das turmas em que o projeto é desenvolvido têm a oportunidade de reconhecer que a prática da escrita através da manifestações artísticas e culturais marginais deve ser reconhecida ao lado de manifestações eruditas de poesia e também têm suas vozes ouvidas, expressando seus anseios, alegrias e angústias na forma escrita, oral e poética que essas expressões marginais podem oferecer.”

E complementa um estudante, participante da final do Slam Interescolar Ipatinga:

“Nem sei como descrever o quão foda foi toda a experiência, sentir a energia do pessoal envolvido foi muito motivador. Agradeço a vocês pela oportunidade e também ao mano que cedeu um pouco do conhecimento dele com a oficina, me ajudou a me sentir mais confiante. Era a minha primeira vez em palco apresentando meus poemas para um público grande, o que eu fazia como hobbie e só compartilhava com amigos."

"Vocês que organizaram, mulheres de quebrada, que botaram a cara e fizeram acontecer são verdadeiros símbolos de inspiração. Sou filho de mãe solteira e vi minha mãe, de um quarto que dividimos conquistar uma casa própria sem contato nenhum com meu pai desde os meus dois anos de idade, o que deu muito significado para minhas experiências."

"Sei que Ipatinga tá muito bem representada e desejo boa sorte pra Maira e pro mano de Viçosa, vou colar nos eventos sempre que possível. Só agradece!”

Com a poesia, é possível encarar diversos desafios das escolas públicas apesar ao descaso tanto dos municípios quanto das ações do governo. O foco do coletivo sempre foi possibilitar que as vozes periféricas se expressem pelo poder da oralidade para a juventude, com o intuito de mostrar que são protagonistas da educação e do futuro. Estamos sempre presentes nas escolas, nas ruas e, por mais que criem obstáculos, persistimos e resistimos, gritando:

A poesia em Riste
A palavra insiste
A periferia existe
Slam Akewi!


 

Geovanna Januário | Brasil |

Graduanda em Geografia na Universidade Federal de Viçosa, natural do interior paulista, atua com pesquisa relacionadas a questões ambientais e racismo e apaixonada na área da educação e de métodos pedagógicos alternativos.No Slam Akewí desde 2017. 

geovanna.januario@ufv.br

Clara Costa | Brasil |

 Cientista Social pela Universidade Federal de Viçosa, poeta, idealizadora e produtora do Slam Akewí. Professora em Ipatinga na rede estadual pública anda pelas ruas aos gritos recitados e rimados, produzindo material didático autoral e focando no trabalho de base, nas ruas e nas escolas, com arte periférica e negra.

 

Isabela Kaila | Brasil |

 Graduanda em Ciências Sociais, apaixonada pelas manifestações culturais periféricas, integra o Slam Akewí desde 2017.

 

Slam Akewí | Viçosa, Minas Gerais - Brasil |

Instagram: @slamakewi

Facebook: @projetoakewi

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