literatura e poesia

periferias 6 | raça, racismo, território e instituições

ilustração: Juliana Barbosa

Volta pra casa

Itumeleng Molefi

| África do Sul |

março de 2021

traduzido por Karla Rodrigues

DE: keabetswekb62@gmail.com
PARA: ookeditse.dabula@students.ui.edu.ng
DATA: Terça-feira, 12 de julho, 17:54
ASSUNTO: Ensaio pessoal para solicitação de bolsa de estudo

Oi Ookeditse

Espero que Ibadan esteja tratando você bem.

Novamente, obrigada por concordar em me ajudar com isto. E um OBRIGADA ainda maior por não dizer a Ofentse. Eu sei que ele me ama e que tem apenas boas intenções, mas ele sempre quer controlar tudo que eu faço!

Meu ensaio está anexo. Decidi seguir a seguinte orientação: conte-nos sobre uma pessoa que teve grande influência sobre você e descreva essa influência.

Sei que está bem acima do limite de palavras, então preciso de ajuda para decidir o que cortar e como, em geral, fazer com que fique mais coerente.

Aguardo ansiosamente por sua resposta.

Kea

P.S.: Nós estudamos vírus nas aulas de Biologia na escola semana passada. Ontem nós começamos a estudar pandemias passadas (como o surto de gripe de 1918, a pandemia por COVID-19 de 2019-23 e todas as diferentes pandemias por SARS) e como cada uma delas mudou as políticas públicas de saúde. Eu penso que saúde pública é no que eu gostaria de me especializar.

*

DE:ookeditse.dabula@students.ui.edu.ng
PARA: keabetswekb62@gmail.com
DATA: Quarta-feira, 13 de julho, 11:04
RE: Ensaio pessoal para solicitação de bolsa de estudo

Bom dia Keabetswe

Ibadan está bem, obrigado por perguntar. Espero que Gaborone esteja tratando a você e sua mãe bem.

Eu li seu ensaio. Ele segue, anexo, com meus comentários em itálico e vermelho.

Há partes que acredito funcionar excepcionalmente bem (as quais você deve manter) e outras que você deveria pensar em suprimir por completo.

Todavia, para dizer a verdade, eu esperava ler muito mais sobre seu pai. Nas poucas vezes que Ofentse falou dele para mim, eu tive a impressão que vocês dois eram muito próximos.

Outra coisa é que apenas no final do ensaio você começa a conectar seus pais, a influência deles sobre você e porque você quer se tornar médica. Acho que se você escrever mais sobre a morte do seu pai, você poderá começar essa conexão no início do texto e conectar esses diferentes aspectos de uma maneira linda.

Obviamente, você não tem que fazer isso se não sente vontade de acessar um lado emotivo.

Me diga o que acha.

Com carinho,

O.

*

Sempre soube que meus pais levaram muito a sério o trabalho de criar meu irmão mais velho e a mim. Isso é comprovado no meu nome. Keabetswe: Eu recebi uma oferta sagrada. E por causa disso, eles fizeram muita questão de exercer uma profunda influência sobre minha vida.

Eu amo aprender coisas novas: fazer perguntas e buscar as respostas para elas é algo que sempre me entusiasmou. Eu consigo ligar meu amor pela busca de conhecimento à minha mãe. Quando eu estava na primeira série na África do Sul, ela basicamente me forçou a amar a leitura.

Meus colegas e eu éramos ensinados a ler usando uma cartilha. Na primeira, segunda e terceira séries, nós recebíamos um livro de leitura no início do ano com personagens que cresciam conosco a cada ano. Os personagens principais eram um menino e uma menina, seu cão de estimação, sua mãe e seu pai. Eles iam à escola, faziam novos amigos, brincavam em casa e assim por diante. E à medida em que progredíamos nas séries, eles ficavam mais velhos, seu mundo ficava maior com coisas como passeios ao shopping e visitas à família. O mundo deles se tornava mais habitado por familiares e novos amigos. E, à medida em que o mundo deles crescia, nosso vocabulário e gramática cresciam junto.

Todos os dias, nós passávamos um tempo lendo uma ou duas páginas com nossa professora na sala de aula. Parte do nosso dever de casa era praticar o que tínhamos aprendido lendo em voz alta para nossos pais quando chegávamos em casa. Quando eu ainda estava no primeiro ano, todos os dias, sem falta, minha mãe sempre me orientava a ler uma página ou duas além da leitura programada. Eu odiava tanto! Eu não gostava de pelejar com palavras novas que não conhecia. Eu via como isso corroía meu precioso tempo de brincar com meus amigos. No entanto, na metade do ano, eu já tinha terminado de ler a cartilha toda. Como resultado, eu ficava entediado por ter que relê-la em sala de aula e, por isso, eu começava a procurar outros materiais de leitura.

Eu amo essa história de como você desenvolveu seu amor pela leitura.
Nós precisamos encontrar uma maneira de conectar o parágrafo acima com esse abaixo.

Já se passaram duas gerações desde que qualquer pessoa do lado materno e paterno da família concluiu a formação universitária. Limitações como finanças ou pandemias ou a situação socioeconômica instável na África do Sul sempre intervieram. Minha aspiração é finalmente romper esse ciclo. Eu sei que para atingir meu objetivo de tornar-me médica, tenho que me empenhar muito. O valor do empenho é algo que aprendi com meus pais.

A transição entre esses dois parágrafos não soa bem para mim. Há uma desarticulação na transição.

A pandemia de SARS-5 que matou milhões, a morte do meu pai e os outros eventos que precederam o Setembro Negro não foram suficientes para convencer minha mãe a deixar o país. Minha mãe conta que todo mundo que tinha dinheiro em alguma instituição financeira perdeu tudo antes do final daquele mês. Milhões deixaram o país, mas minha mãe decidiu que nós deveríamos ficar.

Minha mãe era uma mãe solteira que também cuidava de seus pais idosos. Nós nos mudamos para um lote de terra onde meu avô paterno cultivava algumas plantações para que tivéssemos o que comer. Quando ficou evidente que a fazenda do meu avô não poderia sustentar nossos familiares que vieram viver com ele e a nós, minha mãe decidiu que deveríamos deixar a África do Sul. Eu tinha nove anos de idade e meu irmão tinha quinze.

Antes de morrer, meu pai acreditava muito na África do Sul. Ele acreditava que, por causa da nossa história, nós todos tínhamos um papel a desempenhar para fazer com que o país funcionasse e se dedicou muito ao seu trabalho como escrivão dos correios, apesar do rápido declínio dos serviços postais naquela época. No entanto, minha mãe sempre teve sentimentos ambíguos sobre deixar a África do Sul. Ela teve que abandonar a escola de enfermagem porque seus pais não podiam arcar com os custos e todos os recursos que antes estavam disponíveis desapareceram. Foi meu pai que a convenceu a ficar todos esses anos quando ele ainda estava vivo. Mas quando encarou a possibilidade de seus filhos passarem fome, ela perdeu a esperança que meu pai lhe havia incutido e partiu.

Essa é a única vez que você menciona a morte de seu pai. Por que é tão sucinto?

Quando chegamos a Botsuana, ela viajava de um lado para o outro entre Joanesburgo e Gaborone, comprando cabelo sintético e humano de fornecedores no centro de Joburgo para vender a cabeleireiros na capital de Botsuana. Os botsuanos nunca gostaram de viajar à África do Sul por causa de toda violência de lá. Isso significava que pessoas como minha mãe poderiam ganhar a vida como intermediário ou intermediária entre os dois países.

No entanto, começar uma nova vida em Botsuana não foi difícil somente no tocante a questões econômicas, mas socialmente desgastante também. A África do Sul continua famosa pelo mundo pela violência que inflige aos estrangeiros. Minha mãe sempre me diz que nós não temos o direito de ficar com raiva dos botsuanos quando eles ficam com raiva e são violentos conosco. Os sul-africanos na África do Sul continuam agredindo e matando estrangeiros por “trazer o vírus SARS-5 para o país” ou “roubar a ajuda financeira destinada aos sul-africanos”. Essas são as mesmas coisas das quais éramos acusados em Botsuana.

Minha mãe continua me dizendo que temos sorte que as pessoas de Botsuana não sejam tão violentas conosco como os sul-africanos são com os estrangeiros africanos. No entanto, ainda assim me machucava muito quando eu era xingada e insultada por meus colegas de sala, inclusive por adultos. O abuso emocional era muito difícil para uma criança em desenvolvimento. Minha mãe continua sendo meu pilar.

A última frase acima parece deslocada.

Um dia, logo depois que comecei o ensino médio, cheguei da escola e contei a ela o que um de meus professores havia dito. Quando soube que três de nós éramos sul-africanos, ele nos contou como nosso país fora construído por pessoas brancas que nos exploravam, enquanto os botsuanos tinham feito tudo sozinhos. Ele nos contou que, depois de 1994, não conseguimos superar nosso complexo de inferioridade e, por isso, os brancos continuaram nos explorando. Ele também nos disse que éramos incapazes de governar nosso país, que por isso nossa economia faliu e que tivemos que fugir para outros países para não morrermos de fome. Ele finalizou esse discurso dizendo para voltarmos para casa e consertarmos nosso país, em vez de bagunçarmos o deles.

Naquele momento eu quis desesperadamente demonstrar para ele o orgulho da minha terra natal que meu pai havia incutido em mim. Eu queria dizer para ele da grande nação que um dia nós fomos. Eu queria dizer para ele sobre nossa incrível indústria mineradora e como costumávamos produzir mais ouro e diamantes que qualquer outro país no mundo. Como fomos pioneiros em descobertas científicas que ajudaram a criar a tecnologia atual que consideramos como algo dado. Como fomos aqueles que lideravam as missões militares que protegiam pessoas em todas as partes do continente africano. Como ajudamos a construir as economias e democracias de incontáveis países em todas as partes do continente. E, dessa maneira, eu teria mostrado para ele que foram as pessoas do país dele (e de vários outros países africanos) que esgotaram nossos recursos na África do Sul. Eu queria mostrar para ele que não éramos culpados como ele acreditava.

Penso que essa retórica é muito perigosa, Keabetswe. Muitos sul-africanos que eu conheci que se mudaram para outras partes da África, de alguma maneira, continuam culpando outros africanos pelas coisas darem errado na África do Sul. Isso é verdade mesmo depois de a história ter nos mostrado que os estrangeiros não são os culpados pelos nossos problemas. Eu não penso que seu professor estava certo em falar com você assim, (principalmente porque você era muito nova), mas se agarrar à ideia de que as coisas desandaram na África do Sul por causa de outros cidadãos africanos não fará a você, ou a qualquer um de nós, bem algum.

Sejamos também pragmáticos. Eu sei que essa solicitação por financiamento é a uma organização sediada na África do Sul, mas o orgulho nacional agressivo que você expressou aqui pode não cair bem para o comitê de seleção.

“Você sabe que se tivéssemos alguma outra escolha, nós voltaríamos, certo?" minha mãe disse naquela tarde. Ela me tranquilizou, como meu pai costumava quando ainda estava vivo, que eu não deveria ter vergonha de ser sul-africana ou do que aconteceu na minha terra natal, porque o que aconteceu não era minha culpa.

A resposta da sua mãe parte o meu coração. Porque você era muito nova, eu penso que ela poderia ter sido mais compassiva.

Por causa de minha mãe, meu senso de autovalorização não foi diminuído por nada que alguém tenha dito por causa da minha nacionalidade. As coisas continuam mal na minha terra natal, mas eu continuo a ter esperança e a manter o sonho de quando eu poderei, finalmente, retornar em definitivo. Os recursos de sua organização me darão a chance de retornar para casa e me tornar uma profissional de saúde pública de nível mundial e a ajudar a reconstruir a África do Sul e torná-la a maior nação neste continente novamente.

Esse é o único parágrafo onde você tenta unir tudo: seus pais, a influência deles sobre você e porque você quer ser médica. Esse seria um bom ponto para abordar a morte do seu pai?

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DE: keabetswekb62@gmail.com
PARA: ookeditse.dabula@students.ui.edu.ng
DATA: Quinta-feira, 21 de julho, 23:16
RE: Ensaio pessoal para solicitação de bolsa de estudo

Oi Ookeditse 

Me perdoe pela demora em responder. Estou muito ocupada com afazeres escolares.

Eu quero começar dizendo que não penso que meus colegas sul-africanos em diáspora e eu estamos sendo desonestos sobre o que levou à destruição da nossa terra natal. Eu não penso que seja “uma retórica perigosa” como você diz.

Tudo o que relatei no meu ensaio sobre os feitos da África do Sul no passado é verdade. Eu também acredito que se nosso governo não tivesse que cuidar apenas de seus próprios cidadãos, mas também dos muitos cidadãos de outros países, então nós deveríamos ter passado pela pandemia de SARS-5 numa condição melhor. Eu não vejo como expressar essa opinião pode ser perigoso.

Com respeito a meu pai: eu acho que você está certo. Ele precisa de mais destaque no ensaio. No entanto, pensar nele foi a principal razão da minha demora em responder.

Eu decidi não pensar muito como incluí-lo mais no meu ensaio. Ao invés disso, eu decidi apenas escrever sobre ele e meus sentimentos em relação a perda dele.

Dei conta de escrever uns poucos parágrafos que estão anexo. Não consegui me obrigar a continuar escrevendo porque a lembrança da perda machuca demais.

Me diga o que você acha sobre a direção que eu poderia dar a isso.

Fique bem

Kea

*

Para mim, perder meu pai significou perder meu instrutor pessoal na vida. Meu pai era a pessoa que sempre estava ao meu lado me encorajando a seguir. Meu pai era a pessoa com quem eu poderia falar sobre tudo e qualquer coisa sem qualquer julgamento. Ele nunca me disse para não ser barulhenta, ou parar de brincar em brincadeiras brutas, ou parar de me envolver em brincadeiras de meninos, nunca me disse para deixar de ser feroz. Ele nunca esperou que eu “me comportasse como uma menina” da mesma maneira que outras pessoas próximas me diziam. Ele conversava comigo como sua igual, me deixava à vontade para falar muitas bobagens e então me trazia de volta ao que era o mais importante ou ao que eu precisava aprender mostrando-me a razão. Ele foi, e continua sendo, muito fundamental na formação da pessoa que eu sou hoje.

Meu pai foi uma das milhões de vítimas da pandemia de SARS-5 no mundo todo. Como outros bilhões em todo o mundo que perderam familiares e amigos, nós não pudemos dar a ele um sepultamento digno. Ele foi enterrado numa cova coletiva e, ao contrário de outras partes da África do Sul e outros países, os oficiais do governo que fizeram o sepultamento não garantiram que os corpos de nossos entes queridos pudessem ser identificados uma vez terminada a pandemia. Até hoje, meu pai está enterrado em uma cova coletiva em algum lugar próximo a Barkly West. Eles não conseguiriam nem nos dizer em qual.

Mas o que me machuca mais não é o tratamento hostil que continuamos recebendo dos oficiais do governo sobre os restos mortais do meu pai ou que nós não saibamos onde fica sua sepultura. O que machuca mais é que, como muitos outros, nós não estivemos com ele durante seus últimos dias.

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DE: ookeditse.dabula@students.ui.edu.ng
PARA: keabetswekb62@gmail.com
DATA: Sexta-feira, 22 de julho, 11:47
RE: Ensaio pessoal para solicitação de bolsa de estudo

Bom dia Keabetswe

Não se preocupe com a demora em responder. Eu entendo perfeitamente.

Eu penso que é importante abordar esse assunto com os fatos, compaixão e empatia. Muitas das chamadas missões de manutenção da paz que a África do Sul liderou eram sobre proteger recursos que empresas multinacionais queriam acessar. Fazendo isso, essas missões contribuíram para fazer com que a situação socioeconômica em países como a República Democrática do Congo e a República Centro-africana ficasse muito pior para seu povo. Que outra escolha eles tinham a não ser partir para o país que prosperava às custas do sofrimento deles? Outra coisa a se considerar é que, como muitos países da África, a economia da África do Sul dependia excessivamente dos recursos minerais. Uma vez que esses recursos começaram a se esgotar, expôs o quanto o país não diversificara sua economia como seus líderes haviam dito. Obviamente, a economia não tinha como prosperar.

A questão é que essas circunstâncias não têm nada a ver com estrangeiros.

Voltando ao ensaio, o que você escreveu no primeiro parágrafo sobre o que seu pai significava para você é lindo. Você conseguiu captar muito nessas poucas palavras.

Eu penso que talvez devêssemos ter uma conversa sobre ele primeiro e juntar ideias de como incluí-lo em seu ensaio (e talvez também debater sobre a questão econômica da África do Sul?). Ou talvez você queira descartar o ensaio antigo e começar novamente focando em seu pai?

Me diga quando poderíamos fazer uma chamada de vídeo ou conversar ao telefone. Posso falar de tarde a qualquer hora depois das 14h, amanhã ou domingo.

Com carinho,

O.

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DE: keabetswekb62@gmail.com
PARA: ookeditse.dabula@students.ui.edu.ng
DATA: Quarta-feira, 27 de julho, 16:24
ASSUNTO: Ensaio pessoal para solicitação de bolsa de estudo (nova versão)

Oi Ookeditse

Mais uma vez, muito obrigada pela conversa de domingo. Ela me ajudou a entender muitas coisas.

Li alguns dos artigos que você me sugeriu. Alguns trazem argumentos muito interessantes, mas não estou totalmente convencida. Eu fiz minha própria pesquisa e encontrei alguns artigos que gostaria que você lesse também, eles se contrapõem ao que você argumenta. Podemos conversar sobre isso quando você os tiver lido.

De qualquer maneira, eu acho que resolvi o ensaio (e mantive dentro do limite de palavras). Segue anexo.

Fique bem

Keabetswe

*

Perder meu pai foi a experiência mais dolorosa pela qual já passei. Não tive que lidar apenas com a dor de perdê-lo da maneira como perdi, mas lidar com a dor de perder tudo que ele representou na minha vida.

Meu pai foi a pessoa que mais torcia por mim, um pilar de força que me mantinha firme e centrada. Além disso, ele era uma das poucas pessoas na minha vida que me encorajava a ser tudo que eu era. Quando criança, ele nunca tentou fazer com que eu me diminuísse e fosse submissa, como as meninas, geralmente, são ensinadas a ser. Ele me deixou brincar com meninas e meninos sem distinção. Ele me deu a liberdade para explorar o mundo em sua beleza e vastidão. Conversar com ele era uma das coisas que mais gostava. Ao contrário da maioria dos adultos, ele nunca falava comigo com ar de superioridade. Ele falava comigo, me deixava fazer rodeios e falar coisas sem sentido algum. Depois, ele me mostrava o que eu tinha a dizer sob novo olhar me mostrando como raciocinar apropriadamente.

Meu pai foi uma das mais de três milhões de vítimas da pandemia de SARS-5. O que machuca mais é que, como muitos outros, nós não pudemos estar com ele nos seus últimos dias. A última vez em que o vi, ele estava saudável e sorridente e feliz. Ele não teve os sintomas sobre os quais eu ouvia no noticiário e na escola. Ele me levou até a escola e se despediu de mim com um beijo no portão.

Assim que o teste feito no trabalho confirmou que ele havia contraído o vírus SARS-5, ele foi imediatamente levado para o hospital de quarentena na base militar do Batalhão de Infantaria Sul-africano - 3 próximo a Kimberley. Ele conseguiu ligar para minha mãe para que ela soubesse o que tinha acontecido. Quando meu irmão e eu conversamos com ele mais tarde naquele dia, ele nos disse que não sabia quando seria possível conversar novamente conosco porque sua bateria estava no final e seria difícil conseguir recarregá-la. Aquela foi a última vez que falamos com ele.

Após o término da pandemia de SARS-5, as coisas pioraram na África do Sul. Minha mãe deu conta de juntar os cacos e fez nossa mudança para Botsuana. Apesar das excelentes notas que eu tenho na escola, o governo de Botsuana não pode pagar por meu acesso ao ensino superior porque eu sou cidadã estrangeira. Os recursos de sua organização contribuirão muito e me ajudarão a realizar o sonho de me tornar uma profissional de saúde pública. Isso permitirá que eu faça tudo o que puder para garantir que ninguém mais tenha que passar pela experiência que minha família e eu passamos durante a pandemia de SARS-5.


 

 

Itumeleng Molefi | África do Sul |

Itumeleng Molefi é educador do ensino médio, escritor independente e Youtuber nas horas vagas. Quando não está atuando na sala de aula com seus alunos, ele escreve e produz vídeo-ensaios sobre literatura africana com sua equipe para o canal BOTLHALE no YouTube. Seus trabalhos foram publicados no The Johannesburg Review of Books, Kalahari Review e Mail & Guardian.

 

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