Coletivo Mujeres de Frente
Andrea Aguirre Salas e Elizabeth Pino refletem sobre a ação feminista antipenitenciária do coletivo criado em Quito
por Mario René Rodríguez Torres e Anderson Alves dos Santos
| Equador |
agosto de 2022
traduzido por Mariana Costa
Entre 2003 e 2004 houve um ciclo de motins nas prisões do Equador. Esses distúrbios coincidiram, do lado de fora das grades, com uma série de protestos e greves organizados pelos movimentos sociais, organizações de pessoas trabalhadoras, estudantes, coletivos de mulheres, indígenas, etc. O Estado respondeu a tudo com violência. Esse foi o contexto em que surgiu o Mujeres de Frente, coletivo que há 18 anos trabalha, dentro e fora da prisão, desenvolvendo o que chamam de “ação feminista antipenitenciária”. Na entrevista a seguir, Andrea Aguirre Salas e Elizabeth Pino falam da história do coletivo, das ações que desenvolvem, da leitura que fazem da recente crise prisional no Equador, assim como das parcerias locais e internacionais que têm estabelecido.
Como o coletivo Mujeres de Frente surgiu?
Mujeres de Frente: Nascemos no ano de 2004, na prisão de mulheres de Quito, como um coletivo organizado entre mulheres presas e não presas. Em maio desse ano, intensos motins penitenciários fizeram com que as problemáticas das prisões se fizessem públicas, e fizeram com que as pessoas presas, entre elas mulheres encarceradas na prisão de mulheres de Quito, interpelassem a cidadania questionando a aceitação geral e coletiva das condições precaríssimas de sua vida, do prolongamento sempre injusto de suas condenações, dos meses e até anos que se podia permanecer nas prisões sem sentença.
Um grupo de mulheres não presas de Quito se sentiu interpelado, e começaram a formular a pergunta sobre o porquê de as organizações sociais da esquerda não expressarem de nenhuma maneira sua solidariedade para com esse povo pobre, classificado pela marca da antisocialidade. Aparecia como diferente, distante, alheio, seguramente antagônico ao povo pobre organizado. Foi assim que aconteceu o encontro, no mesmo processo dos motins, entre mulheres presas e não presas na prisão de Quito e que implicou, além de uma abertura de discussões públicas que interpelavam não só à cidadania, em relação à crueldade que implicava essa condição de vida admitida de maneira coletiva, generalizada, a nível social, mas também uma interpretação particular à esquerda.
Qual é o povo pobre digno de participar e de ser reconhecido como parte de processos revolucionários e, ao mesmo tempo, como digno de viver em condições de vida humanas? Assim surgiu a organização, que nesse momento foi um coletivo de autoconsciência feminista sustentando na prisão de mulheres de Quito.
Quais foram as propostas iniciais, as estratégias de intervenção dentro e fora da prisão e as dificuldades encontradas nesses primeiros anos de Mujeres de Frente e como conseguiram superá-las? Que atividades estão desenvolvendo atualmente?
Nossas propostas iniciais tinham a ver com a possibilidade de construir um feminismo na desigualdade e na diferença. A todas nós que integrávamos esse diálogo, parecia que as propostas válidas e interessantes de autoorganização feminista em ambientes de classe média eram necessárias, mas não suficientes. Um feminismo antirracista, anticapitalista, em um país como o nosso, em uma região como a nossa, implica necessariamente vínculos na desigualdade interclassista, vínculos que reconheçam as tramas do racismo, que nos distanciam e constroem separações entre nós. É assim que Mujeres de Frente se constrói como uma voz antipenitenciária erguida sobre a base, que encontrou a prisão como cenário, mas que pretende sempre ir além da situação concreta da prisão.
Nossas estratégias de intervenção dentro e fora da prisão implicaram justamente sustentar dentro da prisão diálogos permanentes que começaram a assumir a forma dos intercâmbios de autoconsciência feminista, de educação popular, de escrita coletiva. Assim, nasce nossa revista Sitiadas, que, no primeiro ano de nossa existência na prisão, foi um mecanismo para escrever em comum e conhecer-nos e compreender-nos em comum. A partir do lado de dentro, se planejavam todas as ações que fomos implantando do lado de fora da prisão, o que envolvia vínculos de solidariedade com outros grupos e organizações sociais, manifestações públicas contra o castigo, visibilidade pública da situação particular das mulheres presas.
Desse modo, nos transformarmos em nós mesmas em nossas relações: construir confiança, cuidado em reciprocidade, cooperação no âmbito da reprodução é um processo que permanentemente acompanha nossa voz pública antipunitivista, de maneira que hoje somos uma organização composta por mulheres presas, ex-presas, familiares de pessoas encarceradas, comerciantes autônomas da rua, recicladoras de resíduos urbanos, trabalhadoras sexuais e domésticas diaristas, trabalhadoras e intelectuais também remuneradas por diária, professoras e estudantes.
São muito diversas as formas como se expressa o Estado punitivo, o que faz com que Mujeres de Frente, que nascemos dentro da prisão, hoje sejamos uma organização que de dentro e de fora da prisão se organiza contra o castigo, contra o estado punitivo, contra a cultura punitivista. Somos, também, uma comunidade de cooperação e cuidado entre mulheres, meninos, meninas e adolescentes.
Entre o primeiro e o segundo número da revista que vocês publicam, a revista Sitiadas, houve um período de dois anos (2004 - 2006) e entre o segundo e o terceiro número o intervalo foi de 14 anos (2006 - 2020). Por que demoraram tanto tempo para publicar o terceiro número?
É importante dizer que a Sitiadas é uma ferramenta que decidimos experimentar para construir uma voz pública, que, ao mesmo tempo, fosse um exercício de elaboração íntima que permite o reconhecimento de umas por outras. Sitiadas foi uma das formas experimentadas pelo coletivo, entre outras como, por exemplo, espaços de educação popular dentro das prisões – processos de imaginação e implantação de ações políticas de rua planejadas de dentro da prisão e executadas fora dela, às vezes com companheiras presas, para a obtenção de alvarás, e sempre em diálogo com outras organizações sociais, com as quais, nos mesmos anos de 2004 a 2010, construímos um centro social e contracultural, a Casa Feminista de Rosa.
Foi assim que Sitiadas, entre outras experiências políticas da organização, foi publicada em seus primeiros anos. Depois, deixou de ser publicada justamente pela concentração do coletivo em outras experiências e expressões, que se reorientou de maneira orgânica. Durante esses anos, vivenciamos formas muito diversas de cooperar, formas muito diversas que passaram pelo processo de construção de escolas de alfabetização, conclusão do ensino fundamental, e que hoje encontram expressão na escola de formação política feminista e popular. Essa escola foi concebida justamente no contexto do indulto massivo das chamadas mulas do narcotráfico, ocorrido no Equador.
Então, o governo aparentemente de esquerda fomentou e, de fato, materializou indultos para as chamadas mulas do narcotráfico, e eles implicaram o desencarceramento de várias companheiras da organização. Nesse contexto, sempre de maneira orgânica, sempre reunidas, fomos identificando a transformação de nossa situação como coletividade, com um número importante de companheiras ex-presas. Esse também era um esforço em lutar contra o estigma da prisão. Muitas companheiras ex-presas não desejavam manter esse estigma ou esse signo como característica central de sua militância; queriam se desvincular da prisão. Foi assim que construímos, em 2009, a escola pensada para conclusão da educação fundamental e alfabetização, que implicou o envolvimento de mulheres de setores populares não presas, com quem fomos pensando também o Estado punitivo e compreendendo como o Estado punitivo opera muito além das prisões, mesmo quando encontra nas prisões sua mais tenaz, cruel e brutal expressão.
Nesses anos, o Mujeres de Frente construiu um processo educativo voltado para dentro. Foi nos anos em que consolidamos o que hoje se chama espaço de Wawas, o que exigiu a consolidação de um refeitório popular para podermos almoçar diariamente com os meninos e meninas que saíam da escola. Precisamos consolidar também a possibilidade de apoio escolar em contextos em que as instituições públicas de ensino, paradoxalmente, ofereçam a educação como direito, mas ao mesmo tempo como castigo. E assim fomos desenvolvendo os processos que no contexto da pandemia consolidaram a organização como rede de apoio à sobrevivência.
Digamos que a pandemia implicou para nós o reconhecimento de uma situação autêntica de vida e morte, não apenas por causa do vírus, mas pela precariedade que se tornava extrema devido às políticas de confinamento, devido às políticas de bloqueio do comércio de rua. Dessa maneira, o contexto da pandemia se constituiu como um contexto no qual devemos consolidar nossos vínculos de cooperação entre nós para sustentar nossas vidas e as de nossos filhos e nossas filhas. E foi assim que decidimos reativar Sitiadas, como voz política necessária em um contexto e conjuntura radicalmente novos.
Que tipo de relevância a escrita conjunta que desenvolvem na revista tem para vocês?
A Sitiadas é, na prática, um processo de cooperação na escrita. Várias companheiras da organização não sabemos ler nem escrever, ainda quando esse é um direito que temos construído progressivamente entre todas. É por isso que a maioria de nós sabe ler e escrever. Muitas de nós não temos experiência de escrever precisamente por causa da precariedade de nossas vidas, por causa da privação do direito de estudar, de amar aos livros, etc., de modo que escrever é para nós um exercício de enorme dificuldade, que exige darmos as mãos umas às outras. Sitiadas é um processo de abertura para as possibilidades de escrita de testemunho e também para experiências muito diversas da escrita coletiva.
Como resultado de processos de co-pesquisa sustentados durante meses, como resultado de diálogos sustentados entre duas ou mais companheiras, também ao longo de meses, de acompanhamento na produção de um texto e na edição dele, sempre nos perguntando sobre a possibilidade de construir perspectivas que sejam próprias, que não impliquem a imposição da perspectiva de algumas letradas sobre outras iletradas. Então, é uma questão sempre tensa perguntar sobre a possibilidade de construirmos uma voz coletiva, partindo de baixo, da desigualdade, reconhecendo e sempre nos tensionando em relação a essas desigualdades, com os racismos que também nos atravessam. Por isso, a Sitiadas é um esforço que metodologicamente é sempre múltiplo.
Sabemos que Mujeres de Frente recentemente se juntou a outros coletivos e organizações no Equador para formar a Alianza Contra las Prisiones. Vocês poderiam nos explicar como surgiu a ideia da Alianza e quais são seus objetivos?
Mujeres de Frente: Nesse contexto e no marco do primeiro massacre, em fevereiro de 2021, nasceu a Alianza Contra las Prisiones. Uma organização de organizações que discute as prisões no Equador e tenta se posicionar em uma perspectiva abolicionista, com algumas demandas concretas em favor da população atualmente presa e suas famílias. A Alianza contra as prisões envolve algumas instituições, como a Caleidos, de caráter mais acadêmico, a organizações de base como Mujeres de Frente e Corredores Migratorios e organizações de direitos humanos como En Red e Sedeat, além de pessoas que querem, de fato, participar desse processo. Trata-se de um espaço plural e de um projeto de colocar em diálogo as vozes críticas e radicais que não tendem à reforma penitenciária, mas à abolição.
Em seus 18 anos de existência, Mujeres de Frente viveu diferentes momentos do sistema prisional equatoriano. Um dos momentos mais significativos foi o ano de 2014, quando ocorreu uma "modernização" do sistema, realizada pelo então governo do presidente Rafael Correa, a cara equatoriana do "ciclo progressista" latino-americano (Lula no Brasil, Kirchner na Argentina, Morales na Bolívia, etc.). Como esse processo de "modernização" afetou a população privada de liberdade e as Mujeres de Frente? E como a partir disso se chega aos massacres de 2021? Que responsabilidade tem o Estado nos massacres mencionados? E que soluções vocês veem para a crise?
É muito importante distinguir o que poderíamos definir como o Antigo Regime Penitenciário do que passou a se chamar Novo Regime Penitenciário a partir de 2014 no Equador. As prisões mais antigas do Equador, claro, como em toda a nossa região, eram prisões normalmente instaladas dentro das cidades. Tão precariamente sustentadas pelo Estado que tiveram que ser administradas, co-administradas, nós dizemos, pela população penitenciária, suas famílias, comerciantes de rua autônomos, funcionários penitenciários. Foi assim que as prisões no Equador se tornaram instituições com muros muito permeáveis.
Ao ponto de que muitas pessoas do lado de fora podiam até fazer pedidos às trabalhadoras dentro, por exemplo, pedidos de carpintaria e de costura. Era assim o Antigo Regime Penitenciário, que esteve vigente na prática até o ano de 2014. E o era mesmo quando as transformações começaram a ser percebidas, em 2010, e passou-se a tratar a prisão como instituição, obviamente injusta em termos da composição da população penitenciária. A prisão passou a se tratar como uma instituição sempre destinada ao castigo de setores empobrecidos, racializados, uma instituição precarizadora da vida, uma nova adversidade agregada à adversidade dos setores populares urbanos e, claro, também de migrantes. Também se transformou de modo radical, com a luta contra as drogas, a declaração da luta contra as drogas pelos Estados Unidos, uma criminalização que afetou fundamentalmente quem encontrava no tráfico varejista de drogas, no microtráfico de drogas, uma possibilidade de vida, estabelecendo negócios de troca econômica não violenta, embora fosse ilegal. Isso, aliás, implicou desde o início da década de 1990 um aumento sem precedentes na história da população carcerária feminina.
Tratava-se, portanto, de instituições prisionais nas quais não se pode fazer apologias, nas quais tem que se pensar segundo a violência do Estado e, ainda, instituições disputadas, permeadas pela prática dos setores populares. Quem entrava nessas prisões encontrava-se numa espécie de bairro popular fechado. Com todos aqueles homens, mulheres, meninos e meninas que circulavam, com aquela série de negócios que exigiam uma condição mínima de paz interna, com uma série de vínculos sociais que, por definição, são pacificadores, quando, é claro, são sustentados fundamentalmente pelas mulheres… Isso tudo foi radicalmente transformado pelo projeto, paradoxalmente progressista, do Novo Regime Penitenciário.
De fato, as prisões do Equador, como muitos projetos do governo progressista, do Governo da Revolução Cidadã, envolveram um importante negócio de construção. Foi uma fase, a dos primeiros anos da Revolução Cidadã, com o boom do petróleo, de importantes investimentos estatais em infraestrutura rodoviária, em infraestrutura educacional, e foi também uma fase em que se implementou a construção de um sistema carcerário monumental. Assim, a partir de 2010, foram planejadas e construídas três enormes cidades penitenciárias, construídas longe dos centros povoados, concebidas como regimes de alta segurança, equipadas com as mais inovadoras tecnologias de controle e concebidas como um projeto que, paradoxalmente, foi considerado como socialista: controle da vida cotidiana como base da reabilitação.
É claro que não foram feitas perguntas sobre o que a população penitenciária empobrecida deve reabilitar, se com a soltura vão se encontrar na mesma situação de empobrecimento radical. Na prática, a implementação desse novo sistema de prisões implicou o desenvolvimento de um autêntico sistema de tortura. 2014 foi um ano no qual Mujeres de Frente participou da criação do Comitê de Familiares de Pessoas em Prisão, se chamaram familiares, amigos e amigas de pessoas aprisionadas que efetivamente sofriam suas transferências para estas novas prisões, autênticas situações de privação e tortura. Dessa forma, romperam-se os laços sociais que as prisões teciam com o lado de fora, com a família de fora, com a economia de fora, gerando assim condições de isolamento que hoje entendemos muito claramente, embora naquela época já o disséssemos, como absolutamente violentogênicas.
A população foi uniformizada, foi, então, privada de estilos de vestimenta, a população foi privada do direito de possuir, por exemplo, fotografias de família, livros pessoais, diários pessoais, acesso ao que se tinha antes a meios de comunicação, por via da televisão, por via dos via telefones celulares, etc. A tortura experimentada pelas pessoas que foram transladadas das antigas às novas prisões nesses anos é inenarrável. E nós a vimos, a acompanhamos, obviamente visitamos os nossos companheiros e companheiras nas novas prisões, acompanhamos familiares, várias de nós éramos familiares de pessoas aprisionadas e podemos afirmar que a crueldade com a que procedeu o governo progressista em seu sonho de controle é inenarrável. E à luz da perspectiva de anos depois, podemos afirmar que efetivamente criaram condições para o governo mafioso das prisões.
Ainda em 2014, várias mulheres denunciavam que estavam sofrendo extorsão. E isso, insisto, tinha a ver com a privação do vínculo social e também com a impossibilidade de as pessoas do lado de fora apoiarem as pessoas do lado de dentro, e que, claro, de as pessoas de dentro ajudarem a sustentar os seus. Eram criadas, desde cedo, e nós denunciamos, condições de governar à base de extorsão e ações mafiosas.
Além disso, foram construídas condições de intensificação da violência machista. É muito importante entender que não estamos sugerindo que os violentos, os mafiosos - como se isso fosse um traço de nascimento - governassem as prisões. Estamos dizendo que o Estado criou as condições infraestruturais e administrativas nas prisões para que as práticas violentas se tornassem a regra do governo interno.
É fundamental compreender como a crise sanitária tem levado a uma intensificação da vida ultraprecarizada nessas prisões. De fato, a crise sanitária no Equador gerou imagens de abandono e morte para a população livre, claro, a população de setores populares livres, sem falar na população encarcerada. O medo da morte autogerida pela população presa, isolada e, por tanto, as condições de precarização e desumanização da vida às que faço referência, se intensificaram.
Nesse contexto é que ocorreram os massacres nas prisões. Digamos que até aqui, e só até aqui, isso nos permite afirmar que o Estado é o responsável pelos massacres. Não só porque a população carcerária está sob sua custódia. E, no entanto, no senso comum, a morte deles, os delinquentes em sua própria lei, aparece como um fenômeno praticamente da natureza, inquestionado ou inquestionável. E temos ainda que falar também dos instrumentos de morte, máquinas como motoserras, por exemplo, e a existência até o dia de hoje de armas de alto calibre nas prisões. A existência dessas máquinas de alta letalidade também tem que se tornar objeto de pergunta.
É evidente que com a construção dessas enormes infraestruturas, com a consolidação desse Novo Regime Penitenciário de isolamento radical e alta segurança, criaram-se condições para o que podemos definir como um estado mafioso.Não há dúvida, e de fato temos provas que foram tornadas públicas, de que altos oficiais das forças armadas deste país, da polícia deste país, além de agentes penitenciários, é claro, estão envolvidos na introdução de armas de alto calibre nas prisões, orquestrando assim os massacres, criando assim condições de possibilidade para um governo de segurança que normalize os estados de exceção em que a população do lado de fora admite viver e, assim, também criando condições de possibilidade para as dinâmicas de acumulação ilegal de capital.
Dessa maneira, podemos afirmar, nos concentrando na reflexão em torno das armas de alto calibre, aquelas ferramentas terríveis de violência inenarrável não só de morte, mas de morte cruel, podemos afirmar que o Estado é responsável pelos massacres,como construtor de condições para que essa violência aparentemente autoinfligida seja uma violência que é empregada a favor da indústria de armas, da acumulação ilegal de capital, do governo de segurança, não apenas dentro, mas também fora das prisões.
Para nós, é fundamental estabelecer a pergunta, sempre feminista, sobre essa problemática vista a partir da perspectiva das mulheres. As mulheres presas e que são familiares que sustentam as pessoas encarceradas, que em sua maioria são mulheres, como mães, esposas, irmãs, etc. As mulheres presas nos pavilhões de mulheres dessas enormes cidades penitenciárias, que assim acabam sendo mistas, são mulheres hoje expostas a dinâmicas de violência sexual que estão sendo implementadas pela via da normalização da prostituição.
Do acesso que comandantes, como os chama a população penitenciária, e, claro, aqueles autorizados pelos primeiros, têm às mulheres desses pavilhões. Mulheres que encontram as condições de suas vidas determinadas pela violência de maneira como, em noites de álcool, devem sentir e suportar tiros de armas de fogo. Mulheres cuja perspectiva não se nomeia, cuja invisibilidade é absoluta, porque efetivamente constituem a minoria da população penitenciária. Mulheres expostas a situações de controle, já não pelas autoridades, mas pelos seus próprios pares masculinos. Mulheres expostas a situações de violência que são extralegais, ilegais e que, no entanto, se declaram insignificantes porque, insisto, são uma minoria da população penitenciária, e além do mais são mulheres não brancas, e são mulheres que infringiram a lei, e também o mandato da feminilidade.
É fundamental poder ver, a partir da perspectiva feminista, da perspectiva de mulheres e também dos meninos e meninas, essa problemática para entender como o Novo Regime Penitenciário precariza a vida das pessoas presas e precariza a vida de seus achegados – seus filhos, suas filhas, que, dessa maneira, vão se consolidando como população penitenciária do futuro. Temos que entender que a prisão está sujeita a tomar a vida de uma população penitenciária que excede em muito o número de pessoas presas. Nesse sentido, é urgente pensar uma prática abolicionista, uma política abolicionista das prisões, não só para dar início a caminhos de esperança para as pessoas atualmente presas, afetadas pela prisão, mas também para todos aqueles que de fora da prisão veem como a segurança é a chave do governo de suas vidas.
Mujeres de Frente | EQUADOR |
Mario René Rodríguez Torres | Colômbia |
Professor da área de Letras da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). É coordenador adjunto de Direito à poesia e coordenador do blog "A escrita e o fora", dedicado a escrita literaria produzida em presídios da América Latina.
mario.torres@unila.edu.brAnderson Alves dos Santos | BRASIL |
Estudante de Filosofia e colaborador do projeto de extensão da UNILA, Direito à Poesia.