Periferias Convida

periferias 5 | saúde pública, ambiental e democrática

ilustração: Juliana Barbosa

IPAD Instituto Pensamentos e Ações em Defesa da Democracia

IPAD entrevista coletivos Práxis, com trabalho voltado para a saúde mental no Rio de Janeiro, e TETO, coletivo de apoio à construção de moradias populares em Belo Horizonte

| Brasil |

O Instituto de Pensamentos e Ações em Defesa da Democracia - IPAD é um programa que nasce no dentro Instituto Maria e João Aleixo, think tank dedicado a formar especialistas em periferias, a difundir o paradigma da potência das periferias.

Criado por ativistas com um longo histórico de atuação no campo da sociedade civil brasileira, o IPAD é um centro plural de formação política, com prioridade para sujeitos negros e periféricos. Investe na construção de metodologias, conceitos, proposições e ações que ampliem as possibilidades de reinvenção das formas de fazer política e de se relacionar com a instância pública da sociedade brasileira a partir da defesa do Estado Democrático de Direito. Contribuindo, com isso, para a superação do racismo estrutural, do patrimonialismo institucional, do patriarcado, bem como, de outras práticas análogas - em particular a corrupção – que ainda dominam nossas estruturas políticas e instâncias públicas.

O IPAD desenvolve, a partir de encontros formativos, organizativos e de ação, uma ambiência política que permita a ampliação da capacidade conceitual, teórica e metodológica dos sujeitos e grupos das periferias que os estimulem a se identificar com a democracia e, desse modo, ampliar sua capacidade de ação política. Os integrantes passam por uma formação de excelência acadêmica integrada às demandas da sociedade civil.

Ele também se constitui na perspectiva de contribuir na construção de uma agenda política que influencie, via sociedade civil, as práticas de programas dos partidos e de organizações identificadas com a democracia. 

Com base na criação de turmas de formação política na região metropolitana do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, estamos construindo laços de apoio e de articulação entre os grupos e coletivos que os jovens integrantes da instituição. Atualmente os integrantes do curso de formação política são integrantes de mais de 60 coletivos e grupos locais de periferias de ambas as metrópoles. Tais coletivos e grupos atuam em diferentes temáticas de interesse das pessoas das periferias. 

Para essa edição da revista a equipe executiva do IPAD conversou com duas pessoas integrante do IPAD-Seja Democracia, representantes de coletivos que incidem na superação dos seguintes desafios da defesa da democracia: defesa de direitos fundamentais do acesso à saúde mental e à sustentabilidade ambiental a partir do direito à moradia pelas famílias de periferias. Queremos, com isso, apresentar análises e ações de grupos que identificam na defesa da democracia caminhos potente de garantia de condições dignas de vida e do bem-estar coletivo.


Cleber Ribeiro: Ana, para começar nossa conversa, peço para que faça a descrição do seu grupo, do seu objetivo, local de atuação, pessoas envolvidas as atividades, público alvo.

Ana Paula Pimentel: Eu sou psicóloga formada há 11 anos pela UERJ, especialista em psicanálise e saúde mental também pela UERJ. Sou mestre e doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/FIOCRUZ. Desde sempre, minha área de atuação e pesquisa é a Saúde Mental. Sou diretora fundadora do Praxis e aluna do IPAD, da primeira turma aqui do Rio de Janeiro.

O Práxis nasceu juridicamente em 2012. A gente escolheu constituí-lo como uma organização da sociedade civil. Então, é um centro de estudos e atenção psicológica que fica em Madureira, zona norte do Rio de Janeiro.

Nosso objetivo é oferecer cuidado de saúde mental. Tanto para as pessoas que precisam resolver conflitos psicológicos, quanto para quem precise de orientação profissional, orientação familiar, autoconhecimento. Uma série de serviços psicológicos são oferecidos nessa frente de atenção psicológica. Queremos ampliar os serviços para uma série de pessoas que não conseguem pagar por esse tipo de cuidado, porque infelizmente é um tipo de cuidado muito elitizado aqui no nosso país, de uma forma geral. Então, a gente busca ampliar o acesso às pessoas dos nossos territórios de periferias.

Os envolvidos no Praxis são, em sua maioria, psicólogos, tanto no corpo docente, quanto no corpo clínico. Somos uma equipe de oito coordenadores, dezesseis psicólogos atualmente atendendo na clínica e 38 professores colaboradores. Dá um total de 62 envolvidos. A gente está em Madureira há oito anos fazendo esse trabalho. Com dificuldade, porque não temos subsídios públicos. Mas, estamos nos organizando por alternativas. A gente recebe, por exemplo,  contrapartidas pelos serviços ofertados. Uma contrapartida social ou popular, que a gente separa em faixas, de acordo com a possibilidade das pessoas.  Sendo em Madureira, vem a galera da Baixada Fluminense, da Zona Norte, até da Zona Sul do Rio de Janeiro. 

Os lugares com mais dificuldade de acesso aos cuidados psicológicos  são as regiões mais afetadas pela desigualdade. A necropolítica é uma realidade. E o sofrimento mental é uma realidade ali muito grave e muito intensa... e, justamente para a parcela da população que se encontra com o acesso ao cuidado psicológico barrado. Esse é o primeiro ponto.

O acesso ao cuidado psicológico de um modo geral não é acessível. Quando a gente pensa em saúde pública, por exemplo, frequentemente, por disponibilidade, ela não consegue suprir as demandas, especialmente quando a gente fala do cuidado psicológico ambulatorial, que é oferecido em alguns dispositivos para pessoas que estão em sofrimento mental.

No SUS, a gente tem a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Mas, ela é exclusiva para receber pessoas em sofrimento mental grave e persistente. E não dá conta de absorver a demanda, que é muito grande. E por que que isso acontece? Não é só para a especialidade da psicologia. Mas, de um modo geral, o nosso SUS, que é o nosso Sistema Único de Saúde, não dá conta justamente porque ele vem gradativamente, ao longo dos anos, sofrendo um desinvestimento sistemático, sofrendo uma verdadeira sabotagem. A lógica é a do desmonte, do sufocamento. É uma lógica tão insensível à realidade do nosso país, que resulta na dificuldade de acesso. A gente vê um problema grave de administração. Uma relação público-privada sufocante, prejudicial para os interesses públicos. A gente vê problemas de infraestrutura grave. Então, esse caos todo  leva a dificuldade de acesso aos serviços... e também serviços psicológicos.

Quando a pessoa passa por um problema psicológico, o que ela vai fazer? Se não encontra  lugar na rede pública, ela vai procurar a rede privada, que é inviável para a maioria das pessoas. Na rede privada, para você ter uma ideia, existe uma tabela nacional dos honorários dos psicólogos, disponibilizada no site do Conselho Federal de Psicologia. A tabela tem uma lista de serviços psicológicos com diferentes valores. E tem tabelado os limites inferiores, os limites médios, o preço mais praticado e os valores superiores. A consulta psicológica, por exemplo, que é o dispositivo mais procurado, aparece como tendo um preço médio de R$239,00 por consulta. Considerando que cuidado psicológico tem uma periodicidade, geralmente semanal (a pessoa precisa ir toda semana para fazer o cuidado), ela terá uma média de investimento de aproximadamente R$1.000,00 por mês. Aí eu te pergunto: quem é que pode disponibilizar R$1.000,00 exclusivamente para cuidado psicológico, sem prejudicar a subsistência da sua família, sem comprometer o orçamento familiar?

Para referência, a Casa Fluminense disponibiliza em seu site o mapa das desigualdades. Nele temos uma série de indicadores interessantes para pensar essa questão do acesso, a questão da democracia, inclusive para nossa região (Região Metropolitana). Esse valor de R$1.000,00, na verdade, aparece como a renda per capita da maior parte da população. 90% da região metropolitana do Rio de Janeiro não chega a ter uma renda per capita de R$1.000,00. Mais ou menos, só 10% dos municípios conseguem um pouquinho do valor acima disso. Então, nós temos aproximadamente 13 milhões de pessoas nessa região, metade das pessoas que não teriam possibilidade de arcar com cuidados psicológicos, dentro dessa realidade tabelada. Esse valor de R$239,00 é uma realidade das regiões mais abastadas. Aqui, em nossas periferias, nas comunidades, a população não consegue pagar. Então, aí a consulta gira em torno de R$ 60,00 a R$ 80,00 reais. Mas, ainda assim, vamos pensar a média de R$ 300,00... Quem é que pode tirar da sua subsistência R$ 300,00 para cuidado psicológico? Também não é muita gente.

Se a gente fosse ao meu território, que é Japeri, por exemplo, a gente tem, considerando o mapa da desigualdade, 14% da população vivendo com menos da metade disso. 14% da população de Japeri vive com uma renda de R$ 140,00. Ou seja, ou a pessoa tem o cuidado psicológico, ou come.

Essa é uma situação muito grave que o nosso coletivo se preocupa. A nossa preocupação é tentar ampliar o acesso e esse cuidado, sabendo que o problema é muito grave. Nossa colaboração é muito tímida. Sabemos que não vai resolver... não dá conta de resolver, mas de braços cruzados a gente não fica. 

A outra frente em que atuamos é o da oferta de formação complementar para o cuidado psicológico. A gente recebe, para complementar a formação, psicólogos ou estudantes de psicologia dos últimos períodos, para aprimorar a prática. Pois a gente sabe que a formação complementar também é elitizada. O psicólogo precisa estar em formação permanente. Não é ali nos cinco anos de graduação será formado um psicólogo. E quando você sai com seu diploma, você se depara com uma realidade muito difícil, de ter de fazer especialização e formações extras necessárias que, em sua grande maioria, estão na Zona Sul e custam valores altíssimos, em geral. O que a gente quer  também é diminuir um pouco essa desigualdade de acesso. Muitos profissionais da Zona Norte e Baixada Fluminense se inscrevem. Também oferecemos formação complementar para o apoio psicológico. Então, profissionais de outras áreas podem vir fazer formações e agregar os conhecimentos da psicologia, da Saúde Mental, para a sua práxis.

Cleber Ribeiro: Como  seu grupo interpreta e atua nos temas saúde pública e democracia?

Ana Paula Pimentel: O primeiro ponto que destaco é o entendimento de que saúde e democracia são praticamente ideias sinônimas. Então, quando a gente tenta entender e explicar a ideia de democracia, a gente acaba explicando saúde, e vice-versa. Para a ideia ficar mais clara, antes de falar da relação, quero falar da ideia da democracia e da ideia de saúde pública. E depois passo à ideia do coletivo, do que a gente faz e do que a gente gostaria de ser. 

Acho interessante a gente buscar entender a democracia a partir da sua finalidade, que é a de garantia de dignidade de vida para todos.

Essa finalidade pode ser apreendida principalmente na constituição federal. Queria destacar dois artigos que acho interessantes para a reflexão. O terceiro e o quinto. O artigo terceiro, por exemplo, traz uma lista de quatro objetivos fundamentais para o Estado conseguir concretizar a democracia. Rapidamente, diz: “para concretizar a democracia é preciso construir uma sociedade livre, justa e solidária”. O segundo objetivo é garantir o desenvolvimento nacional. Terceiro, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. E, o quarto objetivo, é promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e de quaisquer outras formas de discriminação. O quinto, lista uma série de direitos fundamentais para alcançar a dignidade de vida. É enorme, mas queria destacar só o caput, que já traz essa ideia e traz também cinco direitos que são interessantes para a nossa reflexão.  O caput do artigo 5º diz: “todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade”.

Então, destacando esses dois artigos, a gente entende que a ideia de democracia está ligada à ideia de dignidade de vida. E a dignidade de vida a gente pode apreender daqui, só nesses dois trechinhos, que é: a possibilidade da pessoa levar uma vida decente, uma vida justa, igualitária, uma vida humana livre, que tenha sua humanidade e sua diferença reconhecidas. Não só a diferença individual, mas a coletiva. A constituição vai trazer bastante isso. É importante reconhecer a diferença entre os povos, entre  culturas, entre regiões. É um acesso a liberdade que tem que ser garantido para todos, independentemente de classe social, de religião, de gênero.

Olhando para esses atributos de uma vida digna, vemos que, na verdade, a gente não vive em uma democracia. Principalmente quando consideramos a nossa realidade: negra, periférica. 

O que a gente percebe é o estabelecimento de um Estado excessivamente mínimo. Em consequência disso, as desigualdades aumentam. A miséria aumenta. A gente vê o Estado agindo de forma a ignorar as necessidades básicas dos territórios periféricos. Então, as pessoas têm até mesmo a sua humanidade ignorada ou, às vezes, perversamente invisibilizadas. A gente vê uma realidade de violência, que é naturalizada, que é cotidiana. Quando a gente olha para esses atributos, presentes em nossos territórios, o que vemos é esse conjunto de direitos fundamentais barrados. Quando pensamos no artigo 5º, por exemplo, onde fala do direito à segurança, que seria inviolável... segurança é um dos direitos mais violados nos nossos territórios! Inclusive, tem grande impacto na saúde das pessoas

Agora,  podemos falar um pouco da saúde. Saúde é mais um direito e é fundamental para a garantia da dignidade de vida. Quando a gente pensa democracia como dignidade de vida, a saúde também deve ser pensada como dignidade de vida. Por isso que eu digo que democracia e saúde devem ser pensadas como sinônimos. Nosso Sistema Único de Saúde está aí justamente para isso: para a garantia desse direito constitucional.

A saúde não deve ser entendida apenas como mais um direito. Ela é a própria democracia! Quem afirmou isso foi Sérgio Arouca, médico sanitarista, na 8º Conferência Nacional de Saúde, em 2008. O que ele quis afirmar é que, na verdade saúde é ter direitos. Mas direto a quê? É ter direito à moradia. É você ter direito a um trabalho digno, com um salário justo. É ter direito à água encanada em casa. É se alimentar adequadamente. É ter direito ao lazer. Ter direito à educação... Então, saúde é você ter um conjunto de direitos que são fundamentais. Sem qualquer um deles, não há como falar de vida digna. Para explicar isso um pouco melhor, Arouca retoma um conceito bem interessante, o de ciclo econômico da doença, dizendo que as condições de vida estão diretamente relacionadas com o grau de possibilidade de você ter saúde e, portanto, de você ter uma vida digna. Pois a violência adoece. A miséria adoece. A falta de água adoece. O desemprego adoece. Então, se você garantir um conjunto de condições de vida digna, você está garantindo a saúde. 

Com as condições de vida difícil, as pessoas ficam enfraquecidas até para lutar por seus direitos e para quebrar esse ciclo adoecedor. Em contrapartida, quando a população tem acesso a um conjunto de direitos, que traz dignidade de vida, ela se fortalece. A luta pelos direitos se fortalece e, assim, as pessoas podem lutar e conseguir quebrar o ciclo. Então o caminho potente para quebrar o ciclo é o acesso à saúde.

O indicativo nessa fala é a saúde como caminho para a transformação social. Para isso, a gente tenta fazer o que dá; até onde a gente consegue caminhar. Entendemos que é importante unir lutas para conseguir conquistar esse direito por dentro do Estado. Foi isso que mais me atraiu no Curso do IPAD. Sua capacidade de integrar as lutas por direito das pessoas dos territórios periféricos.

É uma característica da psicologia se deter muito nas questões clínicas. Isso é necessário e importante, mas a gente fica muito restrito a esse universo clínico. Quando a coisa vai se abrindo, o olhar vai se ampliando e a gente vai fazendo esses links, vemos o quanto as questões de vida vão para além da saúde.

É necessário sair dessa zona de conforto... essa zona em que olhamos a saúde estritamente, e buscar esse olhar mais ampliado.

A gente precisa unir as lutas, a partir dessa ideia ampliada do que é saúde. A gente pensa o tempo todo no curso do IPAD em como fortalecer a democracia... e creio que um dos caminhos é agregar a saúde nessa luta. Isso interessa a todos nós. A todo ser humano, sem exceção.


 

Mariana Evaristo: Valter, conta pra gente sobre o Coletivo TETO.



Valter Manuel Gomes Neto: Trabalho na TETO,  uma organização social que trabalha com objetivo de superação da pobreza. A gente acredita que essa superação da pobreza e essa luta por igualdade pode vir pela realização de projetos comunitários. Esses projetos precisam envolver os moradores das favelas e dos assentamentos precários em que atuamos. Regiões em que os direitos básicos são negados, como o acesso ao saneamento, infraestrutura e moradia digna.

Trabalhamos por meio de projetos de moradia e de infraestrutura. Temos um projeto de moradia de emergência, onde construímos moradias das famílias da comunidade. Mas  também temos outros projetos de infraestrutura, como a realização de obras comunitárias, de banheiros biodigestores, de escadas, pontes. São vários projetos, pensando na habilidade daquelas famílias e em todo o seu entorno.

Minha experiência com a TETO começou em 2015 em Salvador, Bahia. Me tornei voluntário e uma das primeiras atividades foram as pinturas de moradias. Eu não esperava tamanha afetividade das pessoas e a alegria com as mudanças que estávamos fazendo. Esse foi um dos motivos que me fez continuar na organização, além do fato da possibilidade das transformações de realidades em conjunto com as comunidades. Vim para Minas Gerais há dez meses para trabalhar na organização e nesse tempo, conheci um pouco mais sobre Minas. Hoje, estamos atuando em quatro comunidades: Terra Nossa na região do Taquaril em Belo Horizonte, Dom Tomás Balduíno em Betim, Guarani-Kaiowá que fica em Contagem e a Aldeia Naô Xohã em São Joaquim de Bicas. Além disso, fizemos alguns trabalhos pontuais em Pátria Livre, que são duas ocupações do MST também em São Joaquim de Bicas.

A partir da pandemia, estamos colocando todos os nossos esforços em projetos que sejam de infraestrutura,  ligados à saúde. Hoje a gente vem realizando o projeto de banheiro biodigestor, de lavatórios comunitários, de hortas comunitárias e refeitórios.

Mariana Evaristo: A partir dos debates e ações da Teto, como você vê a atual relação entre sustentabilidade ambiental e democracia?

Valter Manuel: A resposta vai na linha do que a gente vem discutindo dentro do IPAD sobre o que é democracia.

A gente entende que a democracia é quando todas as pessoas têm possibilidade de opinar e participar naquilo que estão inseridas. De participar dos processos que dizem respeito a cada um, de terem seus direitos e  deveres dentro daquela sociedade. Tem muito essa questão da participação. E, em favelas, é algo que é negado às pessoas. É muito comum a gente chegar na comunidade e encontrar esses lugares que não têm saneamento básico, não tem rede de esgoto, não tem onde deixar os lixos. Não tem como ter uma água potável para poder utilizar, para poder tomar um banho, para beber. E aí a gente vai vendo essas nuances de como a sustentabilidade é renegada dentro desses espaços. De como aquelas pessoas perdem o direito de poder levar uma vida sustentável por estar inseridas naquele contexto.

Um exemplo: a gente chegou numa comunidade que tem uma cratera muito grande, lá em Dom Tomás Balduíno. E aí as pessoas usavam essa cratera para jogar lixo, jogar resíduo. Essa cratera foi aumentando. Ela chegou ao ponto de engolir uma casa. Os moradores começaram a ficar muito preocupados. Na época de chuva, se agravou mais ainda, aumentando mais ainda aquela cratera. E aí a primeira dificuldade dos moradores foi entender o que deveria ser realizado para poder diminuir a cratera.

Conversamos sobre como o lixo que estava sendo jogando naquele espaço também estava auxiliando para aumentar o buraco. Convidamos um geólogo para conversar com os moradores. Explicou exatamente o que estava rolando.

Fizemos uma limpeza na região. Em seguida, começamos a nos organizar para conseguir colocar lonas. Mas veio o coronavírus e acabou quebrando essa dinâmica que estávamos construindo com os moradores.

Então, eu acho que a sustentabilidade tem muita ligação com a democracia.  Nela, as pessoas deviam ter o direito de poder viver uma vida dentro da sustentabilidade, de ter saneamento. 

A maneira como a sociedade é formada hoje, nega esse direito a alguns grupos. Então a gente acaba sempre pensando muito na democracia, em relação à cidadania e às eleições, mas a gente acaba esquecendo que tem uma gama de coisas que estão ali, como o direito à cidade, sustentabilidade, o direito de ter um lugar para descartar seus resíduos, de ter um saneamento de qualidade. Eu acho que a democracia deveria garantir direitos também à essas pessoas.

Mariana Evaristo: A gente percebeu isso aqui na cidade de BH, neste período de chuvas que passamos no início deste ano, 2020. Enquanto a chuva atingiu os bairros periféricos, o poder público e principalmente os meios de comunicação, responsabilizaram os moradores afirmando que a população não sabia descartar adequadamente os seus resíduos, além dos questionamentos sobre a construção de casas em áreas de risco. Mas, quando essa mesma chuva, atingiu as áreas nobres, a justificativa mudou e o discurso era de que Belo Horizonte foi projetada e construída em cima de rios. Mudaram os argumentos para continuar operando de forma discriminatória e segregacionista com a população periférica. 

Valter Manuel: As regiões do sul e do centro-sul de BH foram rapidamente reformadas. Já está tudo normal. Enquanto nas favelas, onde a gente trabalha, tem morador que até hoje não tem onde morar, que foi retirado do lugar onde morava, na única moradia que tinha. E não foi feita nenhuma iniciativa para que pudesse ser realojado em lugar mais seguro.

Na comunidade Terra Nossa no Taquaril, estávamos distribuindo cestas básicas e eles levantaram outras demandas, como gás. A própria comunidade se organizou e fez uma cozinha comunitária. Então, todo dia é oferecido uma janta com as cestas básicas arrecadas. As famílias que precisam, podem pegar uma janta para comer em casa.

Agora, eles começaram a fazer uma horta comunitária. Estão fazendo um trabalho super legal por lá.


 

IPAD - Instituto Pensamentos e Ações para Defesa da Democracia | Brasil |

Coordenação Executiva Cleber Ribeiro de Souza, Glenda Vaz, Mariana Evaristo dos Santos e Roberta Castro.

sejademocracia.com.br/

Youtube: youtube.com/ipad-seja-democracia

@IPAD-Seja-Democracia-105524541062291/ @ipadsejademocracia

Ana Paula Pimentel | Brasil |

Integra o grupo de psicólogos que fundou a ONG Práxis, instituição sediada em Madureira, bairro com uma das maiores concentrações da população negra da
Zona Norte do Rio de Janeiro. Seu objetivo é oferecer cuidado de saúde mental para as pessoas que não conseguem atendimento pelo sistema público de saúde e que não consegue pagar o serviço privado de saúde.

praxispsi.com.br/

@praxispsi.rj

Valter Manuel Gomes Neto | Brasil |

Atua instituição TETO, na região metropolitana de Minas Gerais. É uma organização que busca superar a pobreza em que vivem milhões de pessoas
nas comunidades precárias, por meio do engajamento comunitário e da mobilização de jovens voluntários e voluntárias.

techo.org/brasil/

@TETObra @tetobta

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