saúde pública, ambiental e democrática
agosto de 2020
Periferias 5, edição saúde pública, ambiental e democrática se completa durante a crise global causada pelo novo coronavírus. Desafio histórico, colateral às transformações antes já profundas e sentidas pela disseminação de uma agenda regressiva contrária ao meio ambiente, e pelo crescimento expressivo de forças sociopolíticas ultraconservadoras no mundo — é incisivo em seu amplo alerta sobre as evidências dos limites que ultrapassa o modelo hegemônico de sociedade.
Se a catástrofe pandêmica atual se apresenta, a princípio, como fenômeno que afeta a humanidade em sua totalidade e, se é crise sanitária, pública e ambiental, é também da democracia quando implacavelmente desvela sua incapacidade de respaldar e resguardar direitos essenciais, sobretudo para as populações periféricas, negras e indígenas, contra quem a pandemia impacta de forma diferenciada e severa, uma vez que são esses os grupos que historicamente vivenciam as desigualdades colonialistas, estruturais, raciais, e patrimonialistas, operadas por um sistema socioeconômico violento e engendrado na concentração de renda, subalternização da força de trabalho e a superexploração da biosfera.
A humanidade vem convivendo com um aumento exponencial de crises epidêmicas; de acordo com especialistas, isso se deve, em particular, ao avanço da urbanização discricionária do território e exploração de sistemas ambientais cujo equilíbrio ecológico, garantido pela presença de comunidades originárias, vem sendo radicalmente alterado. É preciso considerar que as condições desse equilíbrio ecológico são colocadas em risco em função de um modelo produtivo insustentável, com níveis incompatíveis para a exploração dos recursos naturais e o ritmo de a natureza se recuperar.
Nesse quadro, a exploração da biosfera, aliada a um contexto de corrupção, instabilidade e governança ineficiente, faz do Estado instrumento decisivo para controlar corpos e coagir quem se coloca contra o processo de desvalorização ética e mercantilização da vida e da natureza.
São os grupos periféricos aqueles que mais sofrem as consequências dessas crises; entretanto, suas formas de organização social, cultural, alimentar e de relação com a natureza se apresentam como potência de mundos possíveis para a convivência entre humanidade e a natureza em suas plenitudes de existências. São potências realizadas a partir de experiências periféricas, respostas concretas às condições críticas do contemporâneo.
As respostas em meio à crise têm sido exemplares sobre como as periferias possuem uma potência inventiva capaz de produzir alternativas solidárias. Não apenas, demonstram a grande capacidade, apesar das adversidades materiais, que têm a força das relações de solidariedade um projeto de convivência com fundamentos com muito a ensinar a cidades e sociedades fadadas pelo individualismo e competição, e a um modelo hegemônico que gera crises permanentes.
Concebida com expectativas de abordar sustentabilidade ambiental e democrática, a ocorrência da pandemia do corononavírus fez com que a revista Periferias deslocasse seu tema para esta edição, ao passo que incluiu saúde pública como eixo temático para a composição.
Ancorada pela compreensão de que só existe saúde pública se houver saúde ambiental — democrática, por efeito —, a equipe editorial desta revista Periferias buscou compor editorias temáticas que dialogassem com as formas e práticas comunitárias de resistência e afirmação do direito à existência plena, à saúde mental e ao bem-estar coletivo nas Periferias Globais.
Ao todo, 26 contribuições de 15 países compõem esta edição, em sua constante busca por diversidade na autoria e proveniência de suas publicações.
soberania alimentar
Desde Baltimore, EUA, Eric Jackson, fundador do Black Yield Institute, compartilha de sua compreensão sobre o histórico “apartheid alimentar no país. “ Em entrevista realizada por Edmund Ruge, Jackson expõe caminhos possíveis para a conquista da soberania alimentar negra e das periferias, em que se compreenda o vínculo entre comida e terras ancestrais como direito, em oposição à dinâmica de poder e de desconexão intencional e estrutural que restringe às comunidades negras o direito de acesso a terras aráveis e recursos alimentares saudáveis.
A Rede Favela Sustentável, Rio de Janeiro, interliga iniciativas e mobilizadoras comunitárias pela construção de projetos sustentáveis que garantam maneiras mais justas e saudáveis de provisão de alimento para moradores e moradoras de favelas. As iniciativas atuais da Rede cobrem desde práticas pela criação de hortas e reflorestamento, educação ambiental, energia solar, memória e cultura, geração de renda, e formas de tratamento para água e esgoto.
superação de conflitos plurais em contexto de pandemia
Gabrielle Araújo e Priscila Rodrigues, jornalistas do Observatório de Favelas, refletem sobre estratégias de mobilização e enfrentamento da pandemia e da recrudescente brutalidade policial no Rio de Janeiro em "A favela quer viver!" A recente ADPF 635 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), conhecida como ADPF das Favelas, é também pauta da matéria.
Contextos de vida que compartilham da realidade de guerra iminente, desde Rojava, Norte e Leste da Síria, "Ecologia de Guerra", produzido pelo Centro de Informações de Rojava (RIC), traz a forma com que o movimento de libertação curdo contempla o ecologismo em seu modelo de sistema econômico de coletivização dos recursos naturais e da terra, mesmo que sejam tantas as ofensivas de guerra e perversidade por parte da Turquia e do Regime Sírio.
O Edital Colaborativo Matchfunding Enfrente é pauta de Wagner da Silva. Tendo cofinanciado projetos que contribuíssem para o enfrentamento e superação das condições materiais e subjetivas que estigmatizam e segregam periferias urbanas brasileiras em 2019, o Matchfunding Enfrente 2020 cofinanciou projetos de favelas e periferias do Brasil para o enfrentamento das desigualdades em contexto de pandemia.
literatura, poesia e distanciamento social
Afrolit Sans Frontieres, festival literário virtual, reuniu 80 escritoras e escritores de 25 países por entre cinco temporadas.
Zukiswa Wanner, sul-africana e com base em Nairóbi, Quênia, é escritora, editora, e fundadora do festival. Conta detalhes em "Afrolit Sans Frontieres: atrás das cenas, em frente às câmeras".
A África não apenas está lendo, mas escrevendo e sendo lida: cinco contos e poesia dão continuidade à editoria: Porta do não retorno, conto de Natasha Omokhodion-Banda, da Zâmbia. Da cidade perdida na Terra das Mágoas às Ruas do Inferno de Eldorado (Ou, Franco), conto de Rémy Ngamije, da Namíbia. Sobre o Poeta e o Café, conto de Girma Fantaye, da Etiópia. Um certo 36 de novembro, conto de Merdi Mukore, da R.D Congo. E Dessas coisas que nossas mães não ousam falar, conto de Laurence Gnaro, do Togo.
Yara Monteiro, poeta angolana, dá o tom final à editoria com os poemas Campa e Outrora.
ensaios fotográficos
A agência de fotografia Imagens do Povo, desde sempre parceira desta revista Periferias, na coordenação do fotógrafo carioca Bira Carvalho, produz dois dos três ensaios fotográficos da edição: "Aproximações sensíveis do distanciamento social em favelas e Água! Direito ao bem comum."
O romper das bases do equilíbrio ambiental também coloca em risco modos de vida de comunidades antes imersas na vida da natureza. "Ilhas em desaparecimento", escrito por Joyona Medhi e com fotografia de Abhishek Basu, alerta para o aquecimento global e seu consequente refúgio climático de pessoas no maior delta ativo da Ásia, os Sundarbans, no sul da Índia.
periferias convida
Instituições da sociedade civil reforçam os laços de construção em redes desta edição.
O CIMI, Conselho Indigenista Missionário, em "Resistência indígena em meio a reconfigurações políticas, discursos, demandas e ataques ultraconservadores", expõe como o direito à terra para os povos indígenas sofre de constante ameaça pelo atual governo brasileiro. A resistência indígena, no entanto, sempre e ainda mais presente, posiciona-se diante tão graves retrocessos.
A Fundação Heinrich Böll — escritório Rio de Janeiro — compartilha da trajetória, desde a Alemanha das décadas de 1980/90 aos 33 escritórios internacionais e atuação da organização, que hoje alcança 60 países. Marilene de Paula, coordenadora de programa, detalha o trabalho de apoio da organização à sociedade civil no campo da defesa da democracia, direitos humanos e da justiça ambiental.
A Tiniguena, organização não governamental, fundada em 1991, fez parte de um movimento de emergência de organizações cívicas que apostaram em impulsionar uma nova dinâmica de uma participação efetiva das populações na construção do futuro da Guiné-Bissau. Sua missão: “Promover um desenvolvimento participativo e durável, baseado na conservação dos recursos naturais e culturais e no exercício da cidadania”. Partilham, em Construir sustentabilidade através da governação de espaços, recursos naturais e culturais num país periférico, análise crítica sobre o contexto político e socioambiental da Guiné-Bissau.
O Instituto de Pensamentos e Ações em Defesa da Democracia, IPAD, traz duas entrevistas para a edição. Na primeira, conjugam os coletivos Práxis, de trabalho voltado para a saúde mental no Rio de Janeiro, e TETO, coletivo de apoio à construção de moradias populares em Belo Horizonte.
Na sequência, Vensam Iala, guineense há dez anos no Brasil e fundador do coletivo Visto África, compartilha dos desafios e formas de os imigrantes, sobretudo africanos e africanas, de resistir ao racismo e xenofobia no Brasil em "Narrativas anticoloniais das Áfricas".
narrativas
Três são as narrativas que compõem a editoria; desde Brasil, Quênia e Moçambique; Kariri, Mathare, do Rovuma ao Maputo.
Raquel Paris, Kanyi Wyban e Amade Casimiro Nacir assumem as próprias narrativas em "Rememória Kariri: flecha para iluminar o coração, Futurismo Mathare e Afinal, somos tão pobres como se diz?"
artigos acadêmicos
Sufyan Droubi e Raphael J Heffron, em "A contínua erosão das políticas de desenvolvimento sustentável para a população indígena" exploram o crucial arcabouço jurídico que salvaguarda os direitos às populações indígenas no Brasil, a despeito do afrontamento e vilipêndio expresso e empreendido por setores ultraconservadores contra a população originária do país.
A resistência popular em Vargens de Sernambetiba, Rio de Janeiro, expressa em "Lutas sociais e o papel das Unidades de Conservação", de Brasiliano Vito Fico, analisa a emergência dos conflitos sociais num espaço urbano fronteiriço à metrópole, e como lutam grupos sociais por uma cidade mais democrática e plural.
cria da periferia
Daniel de Souza, liderança quilombola da região do Eperecuru, estado do Pará, é personalidade de cria da periferia da edição, por Raquel Paris.
periferias 6
Periferias 6, “Raça, racismo, território e instituições”, tem sua chamada disponível. Com publicação prevista para janeiro de 2021, o envio de contribuições acontece até 1º de novembro de 2020, pelo revista@imja.org.br.
editora
Eduniperiferias editora amplia seu catálogo com A favela reinventa a cidade, Macaé Evaristo: uma força negra na cena pública, Pesquisadoras da educação básica: germinando ações e saberes nas escolas públicas periféricas, Potência das Periferias e Periferias em Vigilância. Confira mais aqui.
quem faz
Confira em Equipe e Conselho.
agradecimento
Revista Periferias é uma realização de UNIperiferias e Fundação Tide Setubal, que agradecem às autoras e atores que participam desta edição, e aos parceiros da Revista: Itaú Social, Instituto Unibanco, Fundação Heinrich Böll, Observatório de Favelas, Afrolit Sans Frontieres, Oxfam Brasil, Global Grace, Universidade de Dundee e Centro de Estudos Sociais de Coimbra.
Revista Periferias agradece, também, às seguintes pessoas, que tanto ajudaram e contribuíram para a compleição da composição desta edição: Zukiswa Wanner, Maaza Mengiste, Miguel de Barros, Marilene de Paula, Maryuri Grisales, Saulo Padilha, Letícia Coelho, e ao Centro de Informações de Rojava (RIC).
UNIperiferias nas redes
Acompanhe o trabalho da UNIperiferias em nossas redes – Facebook, Instagram e Twitter.