Narrativas

periferias 7 | desaprisionar o cárcere

A escrita como ferramenta para a construção de liberdade

Oficinas de escrita feminista para mulheres privadas de liberdade, em Morelos, como ferramenta de denúncia, resistência e de visibilidade coletiva

Daniela Mondragón Benito y Elena de Hoyos Pérez

| México |

dezembro de 2022

traduzido por Marco Antonio Figueiredo De Miranda e Mayara Alexandre Costa

Uma das características mais dolorosas do encarceramento feminino é o triplo abandono que vivem as mulheres: por parte de suas famílias, da sociedade e do Estado (Melgar, 2018). A dupla transgressão de que são acusadas por violar tanto as leis como os mandatos de gênero tem como consequência uma dupla condenação e castigo (Antony, 2003). Tudo isso faz com que as mulheres privadas de liberdade contem com muito menos recursos para resistir às múltiplas violências da prisão.

Em vista disso, consideramos que é fundamental reeducar a sociedade para fazer frente à estigmatização e criminalização das pessoas privadas de liberdade, sobretudo das mulheres. Além de também trabalhar com elas para desenvolver ferramentas que lhes permitam construir autonomia e comunidade, dentro de um sistema que busca constantemente infantilizá-las, reprimi-las e violentá-las.

Assim é como nasce a Coletiva Editorial Hermanas en la Sombra, que desde 2007 realiza intervenção feminista de escrita identitária em espaços penitenciários, especialmente na prisão feminina de Atlacholoaya, Morelos. Nossa ação como artivistas feministas tem sido apoiar as mulheres na resistência ao encarceramento através da escrita.  Além disso, temos feito um trabalho com homens, para ressignificar a masculinidade e resgatar a essência humana em condições adversas.

Nossa ação como artivistas feministas tem sido apoiar as mulheres na resistência ao encarceramento através da escrita

A partir da escrita nos vinculamos com outras disciplinas da arte, com a finalidade de nos articular entre mulheres para refletir sobre nossa própria vida, e assim, poder construir coletivamente uma identidade autônoma, sororal e livre de violência. Além disso, produzimos nossos próprios livros, encadernamos e, com o lucro da venda, apoiamos mulheres libertas e aquelas que permanecem em privação de liberdade em algumas situações de urgência. Até esse momento temos mais de 17 publicações, diversos documentários e séries radiofônicas.

Ao difundir os relatos, histórias de vida e poemas escritos por elas mesmas, buscamos educar a opinião pública e construir um imaginário diferente  sobre as mulheres  nas prisões, longe dos estereótipos tradicionais estigmatizantes, dignificando sua condição humana.  Além disso, na escrita temos encontrado uma ferramenta de cura e denúncia das diversas violências que se vivem dentro dos cárceres e que só se aprofundaram com a pandemia da Covid-19, que isolou e marginalizou ainda mais as pessoas privadas de liberdade, impedidas de visitas de familiares, de pessoas íntimas e de grupos de apoio - religiosos e educativos.

Estamos escrevendo a história das mulheres nas prisões em nosso tempo, deixando o testemunho de algo que se quer apagar e esquecer. É uma forma de resistência à invisibilização e ao esquecimento. É uma semente de consciência nas e nos leitores destes textos escritos a partir desse escárnio que representa a prisão, da inoperância dela, do uso desnecessário da força e da crueldade normalizada.

Estamos escrevendo a história das mulheres nas prisões em nosso tempo, deixando o testemunho de algo que se quer apagar e esquecer

Cremos que romper com esses estereótipos é um primeiro passo para romper com a criminalização que não faz mais do que gerar cadeias de violência classista, racistas e sexista. A escrita é uma maneira de criar consciência. Consciência da condição das vítimas para poder transformar a realidade que se vive. Uma pessoa deixa de ser vítima quando começa a lutar. E é disto que se trata a arte, é uma forma de ativismo, de denúncia que rompe o silêncio que encobre a impunidade.

As mulheres privadas de liberdade são em sua maioria mulheres inferiorizadas e racializadas, de classes socioeconômicas baixas que, antes de chegarem à prisão, já sofrem as mazelas da marginalização social, precariedade e pobreza, além de serem vítimas de múltiplas violências de gênero no interior de suas comunidades, famílias e por parte do Estado. Nesse contexto, o acesso delas à arte costuma ser praticamente nulo. Ao entrar em contato com a literatura, pintura e outras linguagens artísticas, graças a grupos solidários junto a Coletiva, essas mulheres têm encontrado uma maneira de se revalorizar diante da sociedade a partir de seu papel como artistas. Elas encontram nessas linguagens uma plataforma de visibilidade que lhes permite denunciar a injustiça e a desigualdade que tem vivido.

A passagem pela prisão não faz mais do que aprofundar as formas de desigualdade e exclusão simbólica e material, gerando um dano muito maior nelas e em seu núcleo familiar e comunitário. Como afirma Rita Segato (2007): "relança a ordem racial"

Nosso enfoque se baseia no afeto e na sororidade, sem deixar de lado os aspectos acadêmicos e artísticos que nos dão a possibilidade de ocupar cenários internacionais de alto nível como uma janela para conhecer a desigualdade e as injustiças que vivem essas pessoas. Olhar transforma.

Nesse sentido, nosso objetivo é enfrentar esse processo de criminalização e contrabalançar seus efeitos através da arte e da escrita, mostrando, a partir da própria voz das autoras, uma visão realista de todas essas histórias. Isto as revaloriza diante de si mesmas e de suas famílias, da mesma maneira que sensibiliza as instâncias do executivo e legislativo sobre a necessidade de prestar atenção aos efeitos nocivos da prisão para a sociedade como um todo.

Vamos agora compartilhar um poema escrito por nossa companheira Maria Luisa Villanueva, que está presa há quase 20 anos por um crime que não cometeu. 

 

Inocente filha de um pai pássaro 
Maria Luisa Villanueva

Me declaro inocente 
de meu nascimento
Inocente de ter um pai pássaro 
Sou inocente de nunca soltar a 
mão de minha mãe

Inocente por arrastar 
um passado que não pedi
Inocente dos delitos 
de que me acusam 

Inocente por não falar
por meu silêncio
por minhas palavras engasgadas
por minhas ideias que o vento levou

Inocente de não ser o que espera de mim. 
não me acuse, sou só uma humana 
com fraquezas.
E disso, sou inocente

Cremos no poder transformador da arte, tanto no nível individual como coletivo. Através da escrita buscamos curar feridas. A ferida da separação dessas mulheres do seu lugar na sociedade e das suas famílias. As feridas que o patriarcado deixa em nossos corpos, além de nos reconhecer como mulheres livres e construir a partir daí a sororidade. A intervenção que fazemos busca, sem dúvida alguma, transformar a sociedade, que com seus preconceitos, deixa um dano irreversível nas mulheres; transformar o patriarcado que constantemente busca nos pôr de volta no lugar de submissão; os sistemas de justiças racistas e classistas, que geram uma cadeia de marginalização e violência; e a nós mesmas, para poder criar, juntas, formas de se viver mais livres, amorosas e conscientes.

Cremos na arte com sentido político, no artivismo e na escrita feminista, que permita a transformação individual e coletiva, que permita criar comunidade e também dissolver os muros dos presídios, deixando que saiam essa vozes, com suas reflexões, saberes, dores e histórias. Como escreveram Eva Aladro et al. (2018), o artivismo faz arte para fora e para dentro, enquanto busca a transformação individual e social: “o artivismo é uma linguagem atual de autonomia e liberdade" ( Aladro - Vico etc al 2018:13).

 

Feiticeiras de Jade
Travessias de escrita identitária com mulheres que vivem violências

Marcia Trejo  e Lucia Espinoza

Coletiva editorial Hermanas en la Sombra (Irmãs na Sombra)

 

O fechamento das penitenciárias devido à pandemia de Covid-19 foi generalizado para as famílias de pessoas encarceradas e para os grupos de ajuda no México. Muitas oficinas foram suspensas e as pessoas privadas de liberdade, obrigadas a viver o dobro de confinamento, ainda mais afastadas de suas famílias. Como Coletiva, nosso objetivo é visibilizar por meio da escrita feminista identitária e da arte, as diversas opressões de gênero, classe e etnia que vivem as mulheres em prisões. Nosso trabalho no interior do Centro Feminino de Atlacholoaya, no estado de Morelos, México, vinha sendo constante desde 2007, com oficinas onde as mulheres aprendem a escrever poesia e narrativa feminista. No entanto, a chegada da pandemia nos obrigou a implementar novas formas de trabalhar coletivamente com as mulheres que já haviam saído da prisão.

Através da Colectiva Editorial Hermanas en la Sombra  trabalhamos a escrita identitária como ferramenta metodológica, como instrumento de libertação e denúncia política em espaços de reclusão. Esta ferramenta não é exclusiva para esses contextos, mas também para outros espaços onde nós, mulheres, sofremos diferentes tipos de violência. A experiência da oficina com as Feiticeiras de Jade (como se autodenominaram) representa a realização da primeira geração de escritoras capacitadas e formadas por mulheres oficineiras pertencentes à Coletiva que viveram em reclusão penitenciária.

Foi por meio da resistência em tempos de pandemia e das redes tecidas e fortalecidas com alianças como as que fizemos com Joly Whitfield e Lucy Bell, das universidades inglesas de Cardiff e Surrey, respectivamente, que as irmãs da coletiva que foram libertadas da prisão puderam receber treinamento como facilitadoras dessa metodologia. Esta resistência representou não só a apropriação desses saberes, mas a resiliência em um contexto onde a assimetria ao acesso à comunicação digital foi agravada pela pandemia. Desta forma puderam se aproximar de novas tecnologias, fortalecendo a sua autonomia, pois aprenderam conceitos básicos de computação, a utilizar processadores de texto que capturam sua própria escrita e a manejar plataformas de reunião virtual, o que permitiu a elas compartilhar suas experiências e escritas dentro e fora do país.

Após um apelo para doação de computadores e graças à solidariedade das redes de apoio, essas mulheres conseguiram dar o primeiro passo para atuar como facilitadoras de uma metodologia que já era familiar, pois a conheceram na prisão, e agora já forma parte de seus próprios saberes. Após concluir a capacitação como facilitadoras, o primeiro espaço de trabalho onde compartilharam a oficina foi no centro de recuperação para adictos dirigido por Manón Vázquez, uma das irmãs da Coletiva. Desta forma, no mês de abril iniciou a travessia da Águia do Mar, Suzuki Lee e Valentina Castro, agora como oficineiras, dirigindo um grupo de mulheres que, por sua vez, iniciava seu próprio caminho na escrita. Assim, em 13 de abril nasceram as Feiticeiras de Jade, 25 mulheres em reabilitação que, a partir de diferentes caminhos de recuperação, avançaram juntas em direção à sua transformação em escritoras. 

Feiticeiras de Jade é uma harmoniosa dança de mulheres que compartilham formas diferentes de confinamento e que, a partir da escrita, conseguiram conjurar uma cura, pois com letras também se produz medicina. A oficina era um espaço de aprendizagem coletiva e diálogo de saberes. Não se tratava de aulas, nem de memorizar conceitos nem teorias, mas sim da participação dual de aprendizagem e acompanhamento afetivo e sororal. A metodologia de escrita identitária que desenvolvemos permite, a partir de uma construção de coletividade entre mulheres, reflexões feministas sobre sororidade, sobre nós e sobre as outras; sobre o patriarcado e o amor romantizado; a corpa; a autonomia e a escrita como ferramenta transformadora. Estes temas que foram os eixos de nossa oficina, foram desenvolvidos a partir de um manual, que é um recipiente de magia fermentada ao longo de mais de 13 anos de caminhada da Coletiva Hermanas en la Sombra que germinou da terra a partir da caneta de Elena Hoyos, Aída Hernández e Maria Ruiz, e com o olhar cuidadoso de Maria Vinós. Renacer en la escritura: Manual para la intervención feminista en espacios donde se vive violencia, que é a última livrilha da coletiva, que está próxima a ser apresentada, pretende fazer com que essa metodologia possa ser replicada em outros espaços.

A oficina contou com uma rigorosa organização. Dias antes de cada sessão, as companheiras oficineiras se reuniam por meio digital para o planejamento das atividades, determinando e adequando os conteúdos e exercícios, assim como a seleção de capacitadoras designadas por sessão, com ajuda de Elena de Hoyos e Marcia Trejoque guiavam o grupo, entusiasmadas e orgulhosas por esse novo caminho para todas.

Desta forma, cada terça-feira, durante duas horas, as oficineiras que foram acompanhadas pelas companheiras da coletiva: Márcia Trejo, Paloma Rodríguez, Daniela Mondragón e Lucia Espinoza desenvolveram os sete eixos da oficina. No início de cada encontro eram realizados exercícios rituais de ginástica cerebral ou visualizações guiadas, ferramentas que eram usadas para preparar o terreno onde iria florescer a palavra das Feiticeiras. Depois disso, eram lidos textos feministas com os quais debatíamos e compartilhávamos teorias para fortalecer nosso intercâmbio analítico, e eram realizados exercícios disparadores da escrita, que era posteriormente compartilhada em voz alta. No encerramento de cada sessão era realizado um exercício breve para honrar o trabalho e o importante compartilhamento das companheiras.

Este ciclo de aprendizagem fechou no pé de uma montanha tepozteca, no primeiro sábado do sétimo mês. Eclipsaram a manhã as Hermanas en la Sombra e as Hechiceras de Jade em uma união sororal para fechar harmoniosamente um ciclo em que as palavras de cura se manifestaram e se fortaleceram por 13 semanas. Aquele dia ficou impregnado em nossas memórias, pois a magia pura havia acontecido. Conseguimos vencer os contextos pandêmicos e compartilhar uma oficina com outras mulheres que se reconheciam agora como escritoras, como mulheres autônomas, como parte de um renascimento na escrita, diante de um caminho criativo, com a experiência amorosa de construir em coletivo. A oficina foi o terreno onde cultivamos as palavras como sementes, ofertando à terra a água dos prantos das dores enterradas que compartilhamos, o ar que nos lembrava a capacidade libertadora de abandonar nossas prisões e o fogo renovador que nos manteve mornas e protegidas em manada. E assim, após 13 semanas, foi como florescemos oficineiras, escritoras, novas irmãs e mulheres livres.

Estamos convencidas de que o artivismo feminista é um caminho para a transformação social, que a partir da arte, o ativismo e a sororidade é possível alcançar uma mudança: visibilizar e erradicar as violências e curar a nós mesmas. Os diferentes aprisionamentos que foram compartilhados conseguiram tocar a luz da liberdade a partir da sororidade, a luz que continua refletindo nas escritas que abaixo compartilham as Feiticeiras de Jade, que fizeram uma seleção dos exercícios realizados durante a oficina.

 

Ao escrever…
Adriana Fernández

Ao escrever já me senti triste
por abrir feridas não cicatrizadas 
Ao escrever posso falar sobre a minha vida, sobre os meus sonhos, 
de pôr um restaurante de comida mexicana, 
de seguir em frente como mulher empoderada que luta a cada dia
e ajuda outras mulheres em seu caminho pela vida. 
Ao escrever já me senti triste e chateada.
Ao escrever posso valorizar nas letras o meu corpo,
As coisas que tenho, aprender a sentir e a gostar de mim como sou.

Urge me dizer
Angélica Limón

Que quero abraçar a mim própria 
à vida e a este amor,
pintar minha vida de cores, tirar toda a dor
e a solidão,
quero cantar para Deus
voltar ao céu,
ser quem eu sou,
trabalhar, fazer música,
dizer ao mundo que Deus existe,
escrever poesia, aprender piano,
gritar ao mundo que me amo

Como mudou minha vida
Edna Salinas

Estava a ponto de enlouquecer
Esse aprisionamento fazia com que meus corpos:
espiritual, etérico, crístico e divino se pulverizassem 
Me sentia em uma cova…
Estar aprisionada é desumano, sobrevivia meditando.
Enquanto fazia qualquer coisa, estava decretando
que não estava nessa prisão com essas pessoas
Que pela sua história não sabiam como tratar seus iguais
Porque também haviam sido maltratadas.
Havia confusão, medo, muita incerteza…
Quando chegaram as irmãs da Coletiva, 
deram um alento a minha vida
Sentia que a qualquer momento ia desfalecer
Quando as vi e elas tocaram o tambor, me reviveram
Me lembraram quem eu era, o que amava, minha essência
Com a escrita, me ajudaram a encontrar um caminho crístico de perdão.
meu aprisionamento não foi físico, e sim espiritual, etérico, mental e emocional
Me ajudaram a lembrar minha essência, minha divindade, meu amor próprio.

Porto Azul
Fernanda Zoto

Amamos sem ser correspondidas e não amamos as pessoas que nos amaram.
Somos fortes juntas, de dores irmãs 
Porque somos mulheres feiticeiras, mães amorosas e julgadas.
Sorrindo muda nossa vida, nadando contra a corrente.
Estamos em um porto azul tranquilo, sem drogas e sem álcool.
Somos a segurança de nossas famílias,  
amamos as pessoas mal amadas.Nos sentimos seguras nesse barco,
ainda que às vezes não seja azul, as vezes é preto ou vermelho ou multicolorido.
Hoje somos uma pérola que primeiro foi uma pedra bruta,
Que se lapidou a si mesma com amor!

Nós todas: Força e vontade
Michelle Salto

Nós todas somos o maior medo de nossas famílias,
Mas também somos magia única.
Nos todas somos uma só, navegando num barco de dor,
tratando de chegar na areia da tranquilidade.
Nós todas somos nosso próprio equilíbrio,
lutando para não cair em agonia, 
curando nossas feridas com amor, força e alegria.

Se eu fosse um homem
Moira Díaz

Se eu fosse um homem, amaria tuas espinhas
pequena cactus com luares de agulha sem receita.
Se eu fosse um homem, te cantaria com um violão uma rima apaixonada.
Se eu fosse um homem, atravessaria tuas curvas belas em forma de violoncelo
e te faria eterna na sinfonia da minha memória.
Se eu fosse um homem, encontraria uma forma de te afastar do mal que sou, 
porque eu sou um homem.

Flocos de Neve
Ruth Valle

A vida é só uma, só uma mesma. As horas passam e não param, o passado não perdoa.
Queria ser um floco de neve para poder viajar atrás da dimensão no contratempo de um raio de luz e assim ver como a vida passa faceta pós faceta. 
À medida que você desce, cada camada do seu ser se desvanece, é consumido sem sentir cada distância percorrida, enquanto passa vai percebendo que há mais flocos à sua volta, alguns maiores, outros menores, que no fim são todos iguais.

Você segue na atmosfera de cores, cada cor são seus sentidos, como humor, caráter, felicidade, enojo, amor, tristeza, entre mais sentidos. E quando você vê o final da luz, quando você passa a verdadeira realidade, o lugar onde vai estar toda a vida: chega o medo, a incerteza de não saber onde cair. O mais doloroso é pensar que pode doer muito ou talvez você pode se partir em dois, aí está o verdadeiro medo que se revela.

O sol sai e a névoa se vai, quando você vê tudo com clareza se dá conta da verdadeira realidade, a qual conhecia desde que nasceu. Você sabia que um dia derreteria, esperando ficar somente água. Outra estação chega, o sol se vai, estou evaporando, me consumindo lentamente até chegar ao céu, me convertendo em um linda nuvem cheia de água, meu ciclo começa novamente. O começo de uma vida com cada sopro de alento acaba de iniciar, Soluçando meu esplendor no botão de uma flor.

Minha Solidão
Yessenia Bahena

Tocarei minh'alma e escreverei com os fluidos da pluma em meu ser.
Sou a musa de minha poesia e me faço minha entre as letras.
Em livretos seguirei me desnudando com uma pluma vermelha em um quarto com pouca luz.
Nas noites encontrar minha solidão deitada em minha cama é plenitude.
Sou minha!

(o) Andarilho
Amatista Lee

Enquanto você dormia 
escutei sua respiração, 
seus movimentos
tão perto, tão longe
amigo sem nome 
sem sinais
sombra adormecida
sacode a poeira e segue 
com cicatrizes, mas sem feridas
andarilho desprevenido
Recebe, não pergunta
Hermético de múltiplos rostos
Aprendiz errante
Carente de um cetro 
Ausente no reino

Silêncio Ferido
Valentina Castro Cruz

Sou essa criptografia que anda por caminhos, seguindo pela poeira os teus sinais. 
Buscando tua voz no eco daquele silêncio ferido. Essa que esqueceu seus sonhos em algum lugar do deserto de suas memórias. A que você com migalhas de carinho e carícias pretendia apaziguar a dor que causava.

Com o passar do tempo as velas que acendi com a esperança de você olhar o sofrimento que provocava sua indiferença, seus maus tratos, todas as aberrações que saíram da sua boca para me humilhar, foram se apagando.

Hoje minha alma está de luto, porque matou essa mulher com sonhos, com ilusões, desejos e todo amor que tinha por você.

Agora busco no cemitério de minhas lembranças os pedaços que ainda ficaram de mim, vou tratar de me reconstruir da dor e da desolação para criar uma versão melhor de mim.

Apesar de todo o dano que você me causou, quero que saiba que não te culpo, não te culpo por todas as noites de espera intermináveis, nem por todas as lágrimas que meus filhos choraram.

Aqui a única culpada sou eu por permitir tanto e por idealizar uma vida cheia de amor ao teu lado.

Letargia
Marisol Águila del Mar

Acordei!
Sete anos no país das não maravilhas
Conheci mulheres hienas
Cheias de desolação
Com saudades de príncipes que nunca existiram 
Ventres gritando nomes
Mães órfãs 
Rezando ladainhas no vale de lágrimas
Freguesas perpétuas da santa
Guardadas por mulheres 
com a alma escondida 
em suas vestes negras
armadas 
Prontas para castigar a desobediência
Conheci os olhos do inferno
alimentado de dor e raiva
Fui uma delas 
hiena vazia
sem chão
incapaz de deixar o medo
Pedindo perdão a esse Deus que deixou de me olhar
e ao tempo que abandonei em uma cova
Acordei pronta para a batalha que me fará ganhar a guerra.


 

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